|Crítica| 'Aquaman 2: O Reino Perdido' (2023) - Dir. James Wan
Crítica por Victor Russo.
'Aquaman 2: O Reino Perdido' / Warner Bros.
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James Wan minimiza as fragilidades da história e dos personagens ao voltar seu olhar para aquele mundo subaquático e as possibilidades da computação gráfica
A saturação de um gênero ou estilo sempre criará vítimas e esquecerá de muitos dos culpados. Vivemos esse momento com os filmes de super-heróis, que foram por mais de 15 anos, sobretudo a partir de 2008, a galinha dos ovos de ouro dos estúdios, com um domínio da Marvel. A fórmula, tanto de estrutura, quanto estética foi até rapidamente percebida, mas demorou para ser vista como um problema. Enquanto esses universos interligados (o da DC nunca funcionou muito nesse sentido) conseguiam se mover como uma série coesa, conectando cada filme com o seu seguinte a fim de diminuir a importância de cada um e priorizar esse bloco em expansão, poucos enxergavam a fragilidade padronizada na maioria dessas obras. Poucos ligavam para os Thor ou Homem-Formiga quando cada fase se fechava com um bombástico Vingadores. A DC tratou de correr atrás e seguir a mesma lógica, ainda que esteticamente fosse um pouco diferente quando Zack Snyder aparecia no controle. Entretanto, “Vingadores: Ultimato” e os fracassos com o público que ansiava pelo Snyder Cut marcaram o enfraquecimento da fórmula desses universos compartilhados de heróis. Como consequência, o senso comum virou ao contrário e a ideia de saturação fez o público rejeitar qualquer live-action de super-herói pós-Ultimato, exceções feitas a “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” e “Guardiões da Galáxia Vol. 3”, o primeiro compreensível por vir pouco depois de “Ultimato” e com uma marketing massivo, esse último mais curioso, justamente por estar no olho do furacão e sobreviver justamente por funcionar dentro de uma dinâmica própria. Assim, a era desses universos vai chegando ao fim (a Marvel já anunciou um novo selo com obras menos conectadas ao todo, enquanto “Aquaman 2” marca o fim do DCEU, ao mesmo tempo que a DC planeja um novo universo com James Gunn no comando), e o que vimos nos últimos dois ou três anos foi o apedrejamento de longas que na maioria das vezes mereciam tal tratamento, mas nem sempre. Nesse sentido, “Aquaman 2”, como “Besouro Azul”, “Doutor Estranho 2” e alguns poucos outros, são mais reféns do momento do que ruins como a massa grita como manada. Certamente são obras com muito mais personalidade do que a grande parte dos filmes genéricos do MCU (e esses são maioria) que poucos fizeram menção em criticar na época de lançamento.
É bem verdade que o novo filme do James Wan tem a dura missão de ser esse final que não era para ser final, ao mesmo tempo que ainda carrega as fragilidades de personagens e histórias que só existiam para ser continuadas em um universo compartilhado. Entretanto, a maior força do longa vem justamente do reconhecimento de suas fraquezas, ao secundarizar esses elementos que sempre foram vistos como o que realmente importa nesses filmes seriados. Então, por mais que se trate de uma narrativa que impõe uma certa urgência desde a premissa, Wan para constantemente esse avanço sem qualquer constrangimento para se deslumbrar com aquele mundo subaquático, muito bem representado na reação do cientista Dr. Shin (Randall Park) ao avistar Atlântida pela primeira vez, em um plano bem típico de Steven Spielberg. Claro que aqui não há a beleza e o fascínio de um “Avatar: O Caminho da Água”, mas passa longe também do descaso de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” com o universo e a mitologia do Namor. Na verdade, o interesse de Wan é bem semelhante ao de James Cameron, é uma vontade de exibir aquela grandiosidade, enchendo nossos olhos de cores e movimentos, dando atenção para cada detalhe e construção. É a sensação de um mundo vivo, sem todo o sentimento e conexão com o espaço que Cameron é capaz de imprimir com o seu 3D e melodrama, mas com uma suficiente vivacidade daquele espaço dramático, tornando o lugar e a ação que ocorrerá diante dos nossos olhos muito mais relevante do que o drama dos personagens ou qualquer senso de continuidade de universo.
A rejeição ao humor mais padronizado, que até dá o ar da graça aqui e ali, ajuda nesse deslocamento para o espaço e o que vemos, outra contraposição ao blockbuster contemporâneo em que pouco é visto em meio aos esfumaçados do CGI supostamente realista. Até esse tom mais cafona, que poderia ser facilmente uma desculpa para o humor marvelizado que Jason Momoa conhece tão bem, nunca é usado como muleta, mas tem na mise-en-scène sua maior possibilidade, sobretudo no uso das cores e de um CGI que por si só pode soar mais rídiculo para os obcecados pela computação realista. Os cabelos se mexendo na água, os rostos que ficam digitalizados e as grandes batalhas espalhafatosas controlam o tom sem que muito precise ser dito. Wan vê no CGI uma possibilidade para fazer o que seria impossível com efeitos práticos, transformando tudo em um show de conceitos, formas e movimentos absurdos. Ainda assim, esse CGI mais possibilitador não dá conta de tudo, e quando muitos elementos diferentes são postos em movimento e conflito em tela, o que vemos é pouca coisa em meio àquele caos todo.
No fim, “Aquaman 2” só perde combustível pela necessidade de ainda fazer parte de um universo, deixando muitas vezes, sobretudo nos minutos finais, o fascínio por aquele mundo de lado para acelerar a resolução do conflito e dramatizar aqueles personagens tão desinteressantes.