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|Crítica| 'Priscilla' (2023) - Dir. Sofia Coppola

|Crítica| 'Priscilla' (2023) - Dir. Sofia Coppola

Crítica por Victor Russo.

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'Priscilla' / MUBI & O2 Play.

 

Título Original: Priscilla (EUA)
Ano: 2023
Diretora: Sofia Coppola
Elenco : Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Ari Cohen, Dagmara Dominczyk e Tim Post.
Duração: 110 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Ao invés de construir sua personagem ao modo das cinebiografias hollywoodianas, Sofia Coppola desespetaculariza os eventos, enquanto sutilmente vai desconstruindo percepções e expectativas do gênero

Lançado menos de um ano e meio depois de “Elvis”, do Baz Luhrmann, “Priscilla” soa quase como um filme resposta (por mais que não seja o caso, já que é um projeto que a pré-produção vem de antes), mais claramente na relação estabelecida entre o casal central, mas também na forma como lida com a cinebiografia de uma maneira bastante oposta. Se Baz tinha como objetivo essa exaltação do Elvis, por mais que a imagem traia esse discurso muitas vezes, utilizando-se até do Coronel como narrador apenas para justificar seus desvios com a realidade e essa percepção mitológica do astro do rock, o foco de Sofia é olhar para aquela esposa quase sempre deixada de lado e esquecida pela história. Fica evidente o malabarismo do diretor para tornar a relação do casal algo aceitável, seja ao focar sempre nos problemas do seu protagonista, justificando muita coisa pela sua dependência química e manipulação do coronel, seja na representação da Priscilla (Olivia DeJonge) como alguém bem mais velha, sem nunca dar muita atenção para o fato dela ter 14 anos, enquanto ele tinha 24. Por mais que Olivia e Cailee Spaeny (a Priscilla do filme da Sofia) tenham a mesma idade, fica clara a capacidade de manipular a percepção do público por meio da maquiagem e da atuação. Olivia era sempre adulta, com a idade que tem (24 anos quando o filme foi lançado), enquanto Cailee (com 25 anos atualmente) tem a sua idade e seu rosto mais jovem usado para desenvolver esse amadurecimento da protagonista, surgindo como uma menina de 14 anos no início, enquanto se transforma para virar uma mulher ao final.

Por outro lado, Sofia volta todo o seu interesse para a personagem que dá nome ao filme, não chegando a transformar Elvis em um completo vilão, mas, acima de tudo, não tendo qualquer interesse em ser detalhista com o personagem, sobretudo esteticamente. Ele é apenas essa figura e seus atos importam, mas a diretora parece desprezá-lo tanto que se sente extremamente confortável em colocar Jacob Elordi no papel, que, com exceção da voz, nada tem a ver com Elvis e a maquiagem, diferente da de Baz, faz menos questão ainda de torná-lo semelhante visualmente. O próprio Elordi tem liberdade total para criar esse astro meio perturbado que controla sua esposa desde o início, mas só vai tendo suas atitudes mais escancaradas com o passar da narrativa. Não há aquela tradicional e tenebrosa tentativa de copiar a pessoa real e emular seus gestos (ainda bem). É o tipo de escolha estética que pode incomodar os perfeccionistas de plantão, mas que não poderia fazer mais sentido com toda a proposta da cineasta. Por outro lado, Priscilla ganha toda a atenção do mundo, mas não de uma forma extremamente destacada e gritante. Aqui está mais uma grande diferença entre as abordagens de Baz e Sofia, enquanto o diretor tenta esconder que está fazendo uma cinebiografia tradicional com sua estética espalhafatosa, mas, no final, cai totalmente naquele chamado “filme Wikipédia”, a diretora desde o início apresenta sua obra como uma cinebiografia convencional, no enfoque em eventos importantes do relacionamento e nas elipses temporais, só que, aos poucos e sutilmente, o filme ganha uma nova cara, mais pessoal e íntima em como olha para Priscilla. É justamente ao rejeitar o evidente que a personagem ganha força, como se Sofia desviasse a câmera de quem sempre atraiu atenção (Elvis, o marido famoso) e direcionasse o seu olhar para aquela que ficou no canto, esquecida e diminuída, e encontrasse ali uma figura muito mais interessante de se investigar. Entretanto, essa personagem é filmada assim como foi sua vida e presença na mídia, sem alarde e com os sentimentos sendo reprimidos, percebidos pelo público apenas porque a decupagem da diretora está sempre ali focando em cada expressão e sentimento de Cailee. 

E é justamente ao adotar essa visão desespetacularizada que Sofia vai desconstruindo a abordagem cinebiográfica mais tradicional. Os eventos reais, como turnês e filmes que Elvis participou, vão perdendo a relevância até quase desaparecerem. A única coisa que importa é Priscilla vista em sua razão de ser, tendo sua vida tirada de si, ensaiando uma libertação que parece impossível, enquanto é abusada das mais diversas formas possíveis. Se Elvis fez isso porque era controlador, uma pessoa ruim, um homem de seu tempo, pelo efeito dos remédios ou dominação do coronel, pouco importa. Interessa só Priscilla lidando sozinha com tudo que ele fez. Não é necessariamente a desconstrução do mito Elvis, porque, mais uma vez, ele não tem valor, apenas as suas ações e como elas impactam a protagonista. E tudo só realmente funciona pelo domínio de uma diretora tão experiente quanto Sofia, que nunca deixa o longa cair para a mera tortura psicológica da protagonista. Somos voyeurs observando tudo próximo dela, vemos o seu sofrimento, mas também os seus sentimentos ganhando forma e se transformando em pensamentos. O amadurecimento vai se tornando notável, não só em como a mesma atriz parece realmente deixar de ser uma garota de 14 anos para se tornar uma mulher disposta a lutar por si mesma, mas também em como os vestidos e as cores deles vão ganhando um significado especial, primeiro com o filme só tendo cor nesses momentos, pelas vestimentas que Elvis mandou ela usar, para depois se transformar em escolhas próprias, dessa mulher pronta para confrontar o mito e diminuí-lo em prol da sua liberdade que foi sendo tirada sem que ela percebesse no começo.


 

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