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|Crítica| 'O Desafio de Marguerite' (2023) - Dir. Anna Novion

|Crítica| 'O Desafio de Marguerite' (2023) - Dir. Anna Novion

Crítica por Raissa Ferreira.

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'O Desafio de Marguerite' / Synapse Distribution

 

Título Original: Le Théorème de Marguerite (França)
Ano: 2023
Diretora: Anna Novion
Elenco : Ella Rumpf, Jean-Pierre Darroussin, Clotilde Courau e Julien Frison.
Duração: 112 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Com história cheia de clichês, Anna Novion pretende destacar a presença feminina em um mundo masculino, criando uma atmosfera de paixão ao redor dos números

Marguerite (Ella Rumpf) é uma mulher racional, das exatas, retratada da forma mais comum que o cinema norte-americano fez por tanto tempo: sem vaidade, desapegada com a feminilidade e focada apenas em seus estudos. Aqui, porém, falamos de um filme Francês, e o retrato dessa pesquisadora não é o único clichê que vamos encontrar. É a partir do contato com outra mulher que ela vai buscar mudar algo e ver além das equações, mas é o romance que realmente dá sentido à sua vida, com uma paixão que aumenta também seu entusiasmo e performance nos estudos gradualmente. A diretora Anna Novion, destaca muito desde o começo como Marguerite está inserida nesse campo bastante masculino, cercada de outros alunos, professores e pesquisadores que são apenas homens. Isso é notável, visualmente, mas nunca vira uma questão nos diálogos que Marguerite tem com seus colegas, como se ela mesma não fosse abalada por essa clara diferença. A forma como seu orientador a trata, por exemplo, pode levar a crer que seu comportamento é enviesado pelo gênero da pesquisadora, sempre dizendo que ela é imatura demais, que precisa ser independente e coisas do tipo, ressaltando inseguranças ao invés de propriamente auxiliar em sua tese. Pode ser um retrato meramente acadêmico também, mas a presença de um novo orientando, homem, sugestiona que esse professor tenha lá suas questões para trabalhar com uma mulher, a única nessa universidade. A pressão que Marguerite sofre, portanto, desde seu professor até os colegas, não é declaradamente sentida por ela como uma disparidade de gênero, mas pode ser lida como tal justamente pelo ambiente opressivo que se dá imageticamente, ao cercá-la constantemente apenas por homens. O engraçado é que mesmo com essas questões, o longa opta por caminhar em um lugar bastante comum, em que é um romance que vai movimentar sua jornada.

É importante pensar esse sexismo no ambiente de pesquisa, aqui no caso, da matemática, porque a obra embora não mergulhe de cabeça em tudo que levanta, começa a propor algumas ideias que ficam meio rasas. É, por exemplo, a mãe de Marguerite quem a inspirou a seguir o caminho dos números, mesmo cercada de homens e com quase nenhuma mulher aparecendo ao seu lado, foi essa figura que serviu de referência. Portanto, parece que existem pontos que não são completamente abraçados para desenvolver uma crítica maior. Primeiro, porque Marguerite mesma não se relaciona com essa diferença no seu campo e na forma como é tratada, segundo porque o longa coloca um interesse romântico para motivar seu desenvolvimento narrativo. A inspiração para que a pesquisadora volte a mergulhar em sua tese vem, na verdade, a partir de um orgasmo. Seu primeiro da vida, como ela mesma declara, o clímax sexual vem de todo um despertar dela que se dá quando larga sua vida focada nos estudos e começa a fazer o que tem vontade, estimulada pela presença da amiga, um certo ideal de feminilidade e sensualidade. O orgasmo ocorre quando Marguerite toma controle e assim, as coisas começam a se movimentar sem que ela precise mudar fisicamente suas características - um elemento bastante clichê desse tipo de filme que, pelo menos, não foi usado aqui. Uma coisa leva à outra, mas inevitavelmente, ela recorre a um homem para seguir seu projeto, e o longa começa a se apoiar nessa figura para levar adiante a jornada da protagonista. 

Fica claro então que o amadurecimento de Marguerite vem ao tomar as rédeas da vida, e de seu próprio corpo, mas a narrativa não resiste e a atrela novamente a um homem. Não é que Lucas (Julien Frison) se apodere de sua pesquisa, mas sua representação não serve apenas como parceria e sim como condutora, pois a obra pede que um sentimento exista para que os números comecem a fazer sentido e sem seu par, a conquista é vazia. É o desenvolvimento romântico que leva a uma relação mais profunda com as equações. Enquanto Marguerite não havia nem gozado nem se apaixonado, seu trabalho tinha falhas e ela era insegura com cada conta que realizava, sempre buscando validação do orientador. Já, quando a paixão por Lucas cresce, cria-se uma atmosfera de tesão também pelos números, pela resolução. A pesquisadora encontra o que faltava para ser um sucesso e começa a resolver todos os desafios, ou ao menos ter ideias para isso. Além do colega/namorado ser seu par nessa tese, é também combustível, mesmo após a clássica briga que separa o casal, seus sentimentos declarados ainda são suficientes para a inspirar, bem como o conflito entre eles provoca um breve desequilíbrio. A conquista de Marguerite de decifrar algo quase impossível, não é completa sem o amor, mais uma vez sendo clichê e também, o mais piegas possível.

O que há de interessante em “O Desafio de Marguerite” é justamente relacionar o orgasmo com a independência e a paixão do estudo com a física, levando o tesão para o mundo da matemática para explorar como a vida sem esses sentimentos de desejo se torna menos criativa e inspiradora para resolver qualquer equação. Porém, as ameaças de um debate sobre gênero nesses campos fica mais superficial e se perde quando a jornada da personagem só se motiva por meio de um homem, focando o auge de seu filme no encontro romântico dos dois, ao invés de dar esse holofote para a grande conquista de Marguerite.

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