|Crítica| 'O Sequestro do Voo 375' (2023) - Dir. Marcus Baldini
Crítica por Victor Russo.
'O Sequestro do Voo 375' / Star Distribution
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Marcus Baldini nunca consegue solidificar o seu filme de gênero em meio a tantas interrupções protocolares
O fato da história de “O Sequestro do Voo 375” só ter virado filme em 2023 e não ser amplamente conhecida pelo público brasileiro é bastante curioso. Um sequestrador solo invadir a cabine do piloto, fazer um voo inteiro refém com o objetivo desesperado de matar o presidente por conta da situação econômica do país. É um daqueles casos que parecem nascer prontos para ganhar as telonas, e se a gente pensar em quantos filmes hollywood fez sobre sequestro de avião, piloto salvando voos fadados à destruição e por aí vai, torna-se ainda mais impressionante que o longa sobre o voo 375 da Vasp demorou quase 40 anos para ser realizado. Talvez o que explique tal demora seja o alto orçamento e os efeitos gráficos que um longa desses teoricamente precisaria ter. Digo teoricamente porque essa ideia de que um filme assim tem que ter uma grande produção é meio falho. Tudo obviamente dependeria da abordagem, que, neste caso, é por um thriller de grande magnitude, pelo menos para os padrões do cinema nacional, e que vai tentar explorar não só o que ocorre dentro daquele pássaro metálico se desfazendo, mas também tudo aquilo visto por fora, para ressaltar a magnitude do acontecimento.
Entretanto, não é por acaso que começo olhando justamente para o tempo que esse filme demorou para ser feito e, principalmente, para o escopo da produção. De todas as possibilidades para retratar essa história, Marcus Baldini pretende apostar no thriller, em nos jogar naquele evento e fazer o público suar de angústia, sabendo que qualquer deslize poderia resultar na morte de mais de 100 pessoas, o que com certeza funciona ainda mais por ser uma história absurda, mas de um conhecimento público muito pequeno. Chega a ser triste que sabemos tanto sobre o avião derrubado pelos passageiros que iria em direção ao Pentágono no 11 de setembro e nada conhecemos sobre o que pretendia acertar o Palácio do Planalto. Nesse sentido, “O Sequestro do Voo 375” pode ser o nosso “Voo United 93”, o filme que mantém aquele evento vivo no imaginário popular, ainda que cinematograficamente exista um abismo entre ambos, apesar das propostas super comparáveis.
Assim como o brasileiro, o filme estadunidense também vai se jogar no evento e fazer dele o filme em si. Só que, enquanto Paul Greengrass se mantém fiel ao seu thriller, tornando os personagens meros adereços para a expectativa criada para o que virá a seguir, com uma mise-en-scene pouco preocupada em desenvolver essas pessoas, mas em entendê-las puramente naquele contexto de decisões rápidas a serem tomadas, enquanto a câmera torna o desespero palpável, Baldini não resiste às fugas do gênero a fim de tornar o filme mais comercial e vendável para um público não brasileiro, ou mesmo para os que aqui no Brasil não sabem ou não lembram do período econômico e social do Governo Sarney. Descobrir que esse filme foi atrasado a fim de concorrer ao Oscar do ano que vem como representante brasileiro e que os produtores estão fazendo de tudo para vendê-lo nos Estados Unidos torna o porquê dessas escolhas mais claro.
Isso fica bastante evidente em como por mais simples que seja a abordagem narrativa de Baldini, diretor acostumado a fazer os chamados “Globo Filmes” e que parece seguir essa mesma proposta estética de atuações, decupagem e uma fotografia que, com exceção das sequências com uso de computação gráfica, segue bastante do padrão dos filmes mais populares do nosso cinema, sobretudo na ausência de sombras e um trabalho mais refinado da imagem. Entretanto, essa configuração se faz ainda mais presente na falta de foco que o longa tem, responsável até por romper constantemente com a ideia de uma unidade estilística. Então, a obra já abre como se fosse um documentário, daqueles bem cara de History Channel, com imagens de apoio e uma narração desconhecida que tem por único objetivo explicar a história do Brasil do fim da Ditadura até aquele momento, ideia que vai retornar em parte com os tradicionais textos finais, aqui ainda mais bizarros quando essas associações vão além daquele fato e momento histórico, querendo se ampliar até para o 11 de Setembro.
É essa indefinição do olhar e pretensão em ser relevante que nunca permitem a “O Sequestro do Voo 375” ser realmente esse filme de gênero que nos transporta para aquele local e nos faz viver aquele momento de desespero. O filme quer passar pelo contexto político e explicá-lo aos montes, tenta se aprofundar, mas não passa da superfície, tanto no piloto quanto no sequestrador, pula constantemente para Brasília e foca em um ministro e um general do exército, dá atenção para uma mulher que se comunica com o avião e vira uma espécie de negociadora, além de todos que estão em seu entorno, além de ainda olhar com mais atenção para outros membros da tripulação. Entretanto, nem há um aprofundamento nesses personagens e núcleos, e menos ainda um cuidado de torná-los parte de uma visão criativa apenas. Assim, a atuação mais contida de Danilo Grangheira nunca conversa com o vilão de olhos arregalados de Jorge Paz, e menos ainda com a caricatura de todos aqueles militares que aparecem. Há um bom thriller dentro da obra de Baldini, mas ela nunca consegue se sobressair em meio a tantas intervenções que tratam a caricatura com seriedade sem nem se dar conta.