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|Crítica| 'Incompatível com a Vida' (2023) - Dir. Eliza Capai

|Crítica| 'Incompatível com a Vida' (2023) - Dir. Eliza Capai

Crítica por Victor Russo.

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'Incompatível com a Vida' / Descoloniza Filmes

 

Título Original: Incompatível com a Vida (Brasil)
Ano: 2023
Diretora: Eliza Capai
Elenco : Eliza Capai
Duração: 92 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Apesar do documentário de denúncia, Eliza Capai nunca torna a acusação maior do que as mulheres retratadas e suas dores

"Incompatível com a Vida” é um daqueles filmes arrebatadores, difíceis de assistir, ainda mais quando não se sabe nada previamente. A hábil construção inicial de Capai nos manipula e dá a entender que será apenas uma obra intimista sobre a gravidez durante os tempos difíceis da pandemia. Ao se escorar em outras mulheres, a documentarista parece a um primeiro momento apenas compreender o momento que está passando. Na verdade, o filme nunca deixa de ser sobre isso, mas vai além quando descobrimos a real dor da diretora e das outras mães retratadas. Digo mães porque, por mais que muitos pais também apareçam aqui e tenham seu espaço para compartilhar a dor desse momento, o foco sempre será as mulheres, as que realmente sofrerão na pele a dor de gerar esses bebês destinados a morrer.

O que torna o documentário mais poderoso é justamente esse entendimento de compartilhamento, o ouvir as outras que também passaram por momentos semelhantes e perceber como cada uma agiu de forma diferente naquela situação tão parecida. Capai nunca sequestra o documentário para si, nunca coloca sua dor como maior e nem usa as demais apenas como escada para retratar o que está passando. Há um sentimento de compartilhamento que envolve toda a narrativa, como se houvesse esse fortalecimento a partir do ouvir e do dizer. Por mais que as personagens estejam em momentos temporais diferentes em relação ao ocorrido, as memórias parecem nunca deixar de estarem ali presentes. Esse lugar de ouvir em que Capai se coloca é fundamental para termos não só a dimensão do problema, mas principalmente para sentirmos aquilo nos consumindo. Ela só pode mostrar visualmente o que acontece consigo mesma (e nem nesse caso é capaz de mostrar tudo por diversas razões). Seu feto é apresentado não como choque, mas com uma compaixão dolorosa. As demais são convocadas para reconstruir esse cenário pela voz, com narrações detalhadas aterradoras que nunca serão mostradas. Nem precisam, nem deveriam, nossa mente faz esse trabalho de construir ou não o imagético e se colocar mais ou menos no lugar de quem narra. Mais do que se sensibilizar, é impossível não ser devastado por dentro a cada novo relato nessa crescente narrativa do problema e seus desdobramentos em cada uma das representadas.

É justamente por essa escolha de construir toda a narrativa pelo que é contado que Capai fortalece a denúncia. Seria muito simples e até tentador na posição dela apontar o dedo para o problema de saúde pública que é a proibição do aborto no Brasil. Mais do que isso, essa crescente conservadora e religiosa que tomaram o poder e transformaram isso em uma missão. A diretora aponta o dedo para isso, é claro, não poderia ser diferente, mas o faz a partir dessas mulheres. Elas são o foco, como uma representação de tantas outras que passam por situações mais ou menos semelhantes todos os dias. Não há um rompimento do desenvolvimento desses relatos apenas para expor o problema, como muitos documentários e filmes de ficção brasileiros não resistem em fazer cada vez mais. A maturidade de Capai é recompensada, a denúncia se torna mais forte quando exibida por meio de quem realmente está passando por aquilo. É como se esse mero espaço de entendimento e compartilhamento que aproxima o espectador fortalecesse naturalmente a necessidade da liberação do aborto, não só nesses casos, mas em todos os demais em que uma mãe não deve ser punida tendo um filho que não deseja. Ao seguir firme com sua proposta, a documentarista praticamente exclui a possibilidade de uma rejeição à denúncia, fortalecendo a desumanidade de quem se opor àquilo.

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