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|Crítica Mostra 2023| 'Estranho Caminho' (2023) - Dir. Guto Parente

|Crítica Mostra 2023| 'Estranho Caminho' (2023) - Dir. Guto Parente

Crítica por Victor Russo.

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'Estranho Caminho' / Embaúba Filmes

 

Título Original: Estranho Caminho (Brasil)
Ano: 2023
Diretor: Guto Parente
Elenco : Lucas Limeira, Carlos Francisco, Rita Cabaço, Tarzia Firmino e Renan Capivara.
Duração: 83 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Para além do filme pessoal de pandemia, Guto Parente lida com os gêneros (sobretudo a comédia e a sugestão do horror) sob uma estética brasileira e experimentando outras linguagens ao mesmo tempo

A pandemia “acabou” há pouco, mas o alívio foi tanto que já parecem anos dessa nova liberdade. Ao mesmo tempo, as feridas foram tantas e em diferentes níveis a ponto de sentirmos essa dor ainda e não querermos mais falar sobre ela. Já era esperado, então, que o cinema fosse um espaço em que esse inferno de mais de dois anos fosse representado de diversas formas. Só que, ao contrário de muitos eventos históricos, que demoraram anos para ganharem as telonas, a Covid imediatamente virou assunto em documentários, séries e filmes pelo mundo, sendo a grande maioria de abordagem pouquíssimo inventiva, muito graças a falta de tempo de maturação desse processo histórico. Essa enxurrada de obras sobre o tema fez com que rapidamente surgisse uma saturação, tanto pela quantidade quanto por essa sensação de tentar esquecer essa dor. 

Nesse sentido, Guto Parente dá o tom pessoal a “Estranho Caminho” de alguém que não consegue fechar a ferida e tem no cinema o lugar perfeito para expressar o seu sentimento. Só que, ao contrário da maioria dos chamados “filmes de pandemia”, Parente não se restringe a arte mais popular do mundo a uma plataforma para exposição básica do tema. Essa pessoalidade da história de quem perdeu um ente querido ganha a projeção por meio de um lugar de experimentação com a linguagem. Por mais que a pandemia tenha sido mundial, poucos viveram esse inferno da mesma forma que nós brasileiros. Então, nada melhor do que dar a essa história uma estética intrinsecamente brasileira, entendo assim que o estilo de se contar uma história tem um poder muitas vezes maior do que a simples denúncia narrada. Por mais que tenha uma citação ao fundo xingando Bolsonaro como o maior responsável por essas mortes e extensão da propagação do vírus por aqui, o entendimento completo passa acima de tudo pelo jeito de filmar esse protagonista (Lucas Limeira), da conversa mais livre com os amigos, passando pelo quarto pequeno da pousada até chegar nessa comédia de afastamento emocional com a chegada do pai (Carlos Francisco) à trama. O Ceará e o cearense ganham a tela em meio a uma rejeição ao estrangeirismo, sobretudo hollywoodiano, permitindo até mesmo a presença dos diálogos mais ensaiados, uma herança das novelas, tão presentes no nosso imaginário.

Ao mesmo tempo, Parente entende que só uma estética nacional não basta mais. Ou melhor, a acomodação desse estilo pode ser um problema, é preciso continuar se reinventando sem perder a sua essência. Em um cinema brasileiro marcado por filmes de gênero que quase sempre são moldados por essa forma realista, o cineasta cearense faz questão de inserir uma visão mais aberta e direta aos signos históricos da comédia e sobretudo do horror. Não que o filme seja uma obra de horror, mas o fantasmagórico sobrenatural com tons oníricos marcam essa jornada pessoal e estranha do protagonista. Se as interações entre Limeira e Francisco assumem o que há de mais cômico, marcado até por uma decupagem que sempre filma quem está falando e, assim, gera um espaço desconfortável entre cada diálogo, quando o protagonista é obrigado a enfrentar sozinho os seus próprios demônios, Parente não nos poupa de uma combinação entre o cinema surrealista e o terror pós-moderno, sem nunca perder a estética nacional de vista. Somos jogados então a planos detalhes e closes super expressivos, repetições de locais assustadores que parecem sonho e uma série de repetições que vão acabar por encontrar a comédia novamente, como o desespero do personagem em não poder usar o computador ou não saber o que o pai está escrevendo. Assim, “Estranho Caminho” pode ter traços de Dario Argento ou Luis Buñuel, mas sem nunca perder o mais precioso da estética nacional que dá pessoalidade e personalidade a esse filme sobre a pandemia.

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