|Crítica Mostra 2023| 'Na Ponta dos Dedos' (2023) - Dir. Christos Nikou
Crítica por Victor Russo.
'Na Ponta dos Dedos' / Apple TV+
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Christos Nikou se liberta do seu mestre e faz da premissa estranha apenas uma porta de entrada para o melodrama e a busca do sentimento verdadeiro
Nikou não só começou a carreira como assistente de direção de Yorgos Lanthimos, como também ascendeu à posição de diretor fazendo parte tardiamente dessa nova onda do cinema grego, marcada pela estranheza, por personagens frios e, principalmente, pelo choque a fim de incomodar o espectador e assim passar sua mensagem. Com isso, fica difícil não pensar em “O Lagosta” quando começamos a assistir o novo filme da Apple. O amor em um futuro distópico, mas bem próximo ao nosso, como o determinante para a vida da sociedade, surgindo assim uma nova forma de determinar o futuro das pessoas baseada em uma pré-determinação do relacionamento. Humanos, assim, se tornam seres quase pré-programados, incapazes de tomarem suas decisões e, sobretudo, de se permitir ter sentimentos genuínos. Ambos os filmes, por mais diferentes que sejam esses universos, partem dessa estranheza como catalisador principal das ações do protagonista.
Entretanto, se Lanthimos, como é comum no seu cinema, sustenta o estranho como a ironia para um mundo em que o calor humano é impossível, Nikou se liberta dessa pretensão pelo diferente, pela originalidade à força, como o seu mestre muitas vezes faz. O choque deixa de ser o objeto de interesse de Nikou, abraçando assim o que há de mais clássico no cinema: o romance sob a ótica do melodrama. Então, se Lanthimos afasta a câmera do seu protagonista e o situa em um mundo maior e vazio, Nikou faz o oposto, tem no primeiro plano e no captar de cada expressão facial que demonstra sentimento, a verdadeira essência de “Na Ponta dos Dedos”. Até o elemento mais absurdo e possivelmente gráfico do filme, o arrancar uma unha para ver se é compatível com o parceiro, o diretor pouco explora graficamente.
Dessa forma, Jessie Buckley e Riz Ahmed viram o foco, em um longa que não permite a eles dizerem o que estão sentindo. Pelo contrário, Nikou tem no close o seu jogo de percepção. Cabe ao casal expressar cada pequeno sentimento e ao espectador perceber o que não dizem. É como se o cineasta confiasse tanto nos seus atores principais que os deixasse livres para serem esses catalisadores da emoção do longa. Ao mesmo tempo, pouco aqui tem do melodrama clássico ou pós-moderno. Nikou ainda mantém a dinâmica desse mundo de afastamento emocional, de um realismo contemporâneo. Com isso, Buckley e Ahmed precisam demonstrar com pouco, em um olhar, uma mexida de boca ou uma frase não dita. Ao mesmo tempo, a câmera e a decupagem sempre próxima e atenta de Nikou tornam esses pequenos gestos reconhecíveis.
É curioso perceber como o filme parece ter uma estética bem própria dos filmes do Apple TV+, da fotografia mais amarelada aos lugares fechados. É na seleção dos planos que Nikou se desgarra dessa amarra e constrói o seu melodrama de rostos querendo expressar sentimentos em um mundo pautado pela indústria do amor construído e verificado. Esse olhar para o amor como um sentimento puro, indescritível e incontrolável pode até soar bastante piegas, mas qual bom melodrama não bebe dessa boa dose de sentimentalismo?