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|Crítica Mostra 2023| 'The Sweet East' (2023) - Dir. Sean Price Williams

|Crítica Mostra 2023| 'The Sweet East' (2023) - Dir. Sean Price Williams

Crítica por Raissa Ferreira.

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'The Sweet East' / Utopia Films

 

Título Original: The Sweet East (EUA)
Ano: 2023
Diretor: Sean Price Williams
Elenco : Simon Rex, Talia Ryder, Jacob Elordi, Jeremy O. Harris e Ayo Edebiri.
Duração: 104 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Sean Price Williams faz uma viagem alucinante por um Estados Unidos cada vez mais maluco, com uma protagonista que sabe usar o olhar masculino a seu favor

Com uma estética digital granulada, que enfia sua câmera livremente nos rostos dos personagens, Sean Price Williams começa a imersão em sua viagem - nos vários sentidos da palavra. O cineasta, conhecido por ser o diretor de fotografia dos irmãos Safdie, mostra aos poucos que não teve medo nenhum de explorar e brincar com seu filme, unindo diferentes formas, gêneros e estéticas em uma maluquice que funciona muito bem, caso você compre a ideia. Mas nada disso seria possível sem a incrível atuação de Talia Ryder, queridinha indie pelo filme “Nunca Raramente Às Vezes Sempre” e que aproveita seus melhores traços para construir a protagonista Lillian, que comanda tudo dentro do filme. Williams faz questão de mostrar como seu trabalho é um esforço coletivo, dando atenção especial no começo do filme para os créditos que destacam sua equipe, depois disso é como se essa versão contemporânea da Alice entrasse na toca do coelho e a roda da loucura começasse a girar sem parar. Passando por diversos arcos, cada um com seu elenco específico e passageiro, Lillian foge do tédio para viver aventuras que revelam um Estados Unidos doente, paranoico e preconceituoso. A cada novo caminho, são homens que aparecem na porta de entrada, sempre com um olhar de desejo para essa menina que ainda está no ensino médio. O uso de Talia Ryder é certeiro para criar essa jovem ao mesmo tempo inocente e manipuladora, que é apenas uma garota mas que sabe muito bem como usar o interesse desses homens para a levar até o próximo lugar e conseguir tudo que quer.

Com a finalidade de adentrar nos maiores delírios dos estadunidenses, “The Sweet East” brinca com a estética que faz seu filme transitar entre gêneros, principalmente como um road movie, mas que é também um filme indie dos anos 70, um romance fantasioso com uma princesa ou um horror do cinema mudo. Tudo isso passando por teorias de conspiração, como o pizzagate, nazistas e supremacistas brancos, cineastas, artistas, cultos e seitas. Lillian não se importa muito com onde caiu, e qual a ética dessas pessoas, mas sim em como vai tirar proveito disso e escolher a hora certa de partir. O que ela compreende muito bem é que ela é um alvo de olhares masculinos - uma vez feminino também - e que sabendo jogar bem as suas cartas, pode conseguir tudo que quer. O longa pega a ideia do male gaze como um problema a ser subvertido para os interesses femininos, mas com um humor irônico regendo tudo. Assim, o diretor capta o lado manipulador de Lillian mas jamais fetichiza a menina, sempre mantendo o olhar que lembra que ela ainda é uma adolescente e que o controle aqui é dela. Williams nunca sugestiona que Lillian possa estar em perigo, o tom cômico ajuda, é claro, mas mesmo com as situações mais possíveis de se tornarem um filme de crime e violência, a jovem sempre é colocada no controle de tudo, o que não apenas contribui para a não sexualização de seu corpo, como também se apossa do olhar masculino, aquele bom e velho que sempre domina tudo, criando uma ótima protagonista que é verdadeiramente dona de sua história.

Com ironias escancaradas a esse país que parece cheio de nazistas, malucos e artistas iludidos, o que mais chama atenção além da clara falta de fé em sua nação é como Williams não tem medo de ser criativo e experimentar com seus próprios delírios. A ideia de um coming of age com uma garota que foge e viaja pelos Estados Unidos poderia ser simples, mas é misturando referências e repertório que o diretor torna tudo mais complexo e talvez até ousado. O tom cínico de Talia Ryder é como se sua personagem do filme de Eliza Hittman resolvesse jogar tudo pro alto, poderia se encaixar perfeitamente numa versão atualizada de “Aos Treze” mas também sabe trabalhar bem em todas mudanças que o filme encara. Fica muito claro que a dupla de diretor e protagonista é essencial para que a bagunça criativa de “The Sweet East” funcione não apenas como uma obra engraçada que diverte, como também sendo um olhar de desesperança para essa américa, que está mais para pesadelo do que para sonho. 

Para um diretor homem, é bem decente (até positivo) o saldo de sua relação com a personagem central, principalmente considerando sua idade. E, para um cineasta, é sempre um respiro aliviado ver pessoas sem medo de serem criativas na sétima arte, com repertório de quem gosta mesmo do negócio e que claramente se diverte fazendo seus trabalhos.

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