|Crítica Mostra 2023| 'The Royal Hotel' (2023) - Dir. Kitty Green
Crítica por Victor Russo.
'The Royal Hotel' / NEON
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“The Royal Hotel” estabelece bem o seu microcosmo de misoginia, mas o faz ao custo do sofrimento da protagonista
Após chamar atenção por “A Assistente”, Kitty Green retorna mais uma vez ao lado do talento de Julia Garner e tendo a misoginia como foco temático. Entretanto, dessa vez, se desloca para o que há de mais árido e afastado do interior da Austrália para construir um microcosmo bastante particular e, ao mesmo tempo, universal. Antes mesmo de chegar ao bar, o primeiro contato de Hanna (Garner) e Liv (Jessica Henwick) com a região já é bastante desesperador. A imensidão quase desértica cria no espectador as possibilidades do que pode acontecer com duas mulheres sozinhas e totalmente distantes de seu país. Ao entrar no bar e encontrar Bill (Hugo Weaving), rapidamente fica claro o que acontecerá a seguir, após em sua primeira recepção, Hanna já ser xingada sem mais nem menos de “puta estúpida” (ou algo parecida). O lugar enche e com ele vem novos predadores, homens que até quando tentam ser gentis (pela visão deles), na verdade, intimidam e ofendem a protagonista.
Todavia, assim que estabelece todo o conflito como uma extensão do tema central, Green coloca o longa na posição de olhar para Hanna como essa mulher atacada por todos os lados, fazendo-a sofrer diante dos nossos olhos por quase 100 minutos. É aquele tipo de martírio que trai a acusação. A estrutura é até bastante usual, com essa protagonista crescendo pela dor e pelo terror até finalmente se vingar e confrontar os agressores. O problema é que a cineasta só parece realmente se interessar em fazer Garner ser ofendida e agredida, criando um sufocamento naquele lugar fechado e abarrotado de gente bêbada e agressiva, mas, quando chega o momento do respiro, do alívio pelo controle final da personagem, o que temos é um resultado morno, quase inofensivo. O momento que mais se aproxima de uma catarse não é resultado da ação de Hanna, mas de um homem (o único que presta mais ou menos no longa) agindo de forma brutal. Assim, Hanna e Liv são apenas reféns do sofrimento, engolidas pela masculinidade opressiva e impossibilitadas de fazer algo. Resta ao público apenas ver aquele sofrimento se transformando em uma espécie de entretenimento não intencional.
Há ainda que se reforçar como “The Royal Hotel” pouca preocupação tem com a sua estética para além do tema. Não chega a ser apenas aquele filme com pretensão discursiva em texto, mas que rejeita o visual. Green até busca estabelecer uma unidade estilística e consegue gerar opressão por meio dela. Entretanto, tudo isso acontece por meio dessa espécie de anti-imagem que vem dominando o cinema como um todo, sobretudo o estadunidense, das grandes produções aos filmes indie. É a falta de saturação que tira a cor da tela, misturando um cinza feio com a escuridão dos lugares fechados. A imagem é mais uma vez a mais sacrificada, pouco realmente vemos em tela, e isso só não é mais problemático do que a personagem de Henwick, um desserviço completo ao se resumir à amiga que não vê no problema na situação e que precisa ser ensinada sobre o feminismo por meio da sororidade. Daquelas personagens que só estão ali da forma mais idiota possível para poder reforçar um tema. É bem triste de ver.