|Crítica| 'Hypnotic - Ameaça Invisível' (2023) - Dir. Robert Rodriguez
Crítica por Victor Russo.
'Hypnotic - Ameaça Invisível' / Diamond Films
|
Robert Rodriguez mira em um filme B com cara de thriller de locadora, mas cede à pressão da trama supostamente complexa e profunda
"Hypnotic” resgata desde os primeiros minutos uma sensação boa de voltar no tempo e ser jogado de volta para os tempos das locadoras. Frequentar esses locais agora mistificados era não se prender aos lançamentos dos últimos meses, mas ser inundado por uma gama de filmes desconhecidos, a maioria de orçamento e produção bastante baixos, muitos com aquele sabor do filme de gênero sem pretensão alguma de passar nos cinemas. Havia essa divisão que hoje se perde um pouco, a partir do momento que os streamings parecem operar sob a lógica das telonas, desenvolvendo algoritmos para manipular o público a gostar dos seus lançamentos semanais que não precisam ser descobertos, pelo contrário, serão divulgados aos montes para forçar o usuário a clicar ou pelo menos saber da existência daquele filme. Vivemos a era da repulsa ao filme de gênero, em que o terror não é mais aceito e precisa virar “terror elevado”, a ação é tratada como filme menor, a comédia romântica virou filme adolescente da Netflix apenas e o thriller precisa ter uma trama supostamente complexa com reviravoltas teoricamente inteligentes, mas que serão automaticamente explicadas para o público “entender a genialidade do roteiro”.
Com sua fotografia meio sépia amarelada super estourada, as atuações canastronas de Ben Affleck e William Fichtner, o frenesi que joga o espectador naquela sequência de ações sem nem entender muito o que está acontecendo e até um descuido na execução de coisas simples, como a foto do pai e da filha claramente feita no photoshop, Rodriguez parece, de início, ser uma dessas poucas resistências a essa bobagem de que o bom cinema precisa ser complexo e profundo, antes mais restrito ao drama, até Christopher Nolan virar um símbolo desse “blockbuster superior”. E citar o Nolan aqui não é um mero acaso, já que “Hypnotic” pode até soar um filme descompromissado e alheio a essas tendências contemporâneas, mas, aos poucos, vai ficando cada vez mais clara a influência do cineasta britânico nas escolhas de Rodríguez, não só porque a trama e conceitos apresentados visualmente parecem uma mistura de “Amnésia” e “A Origem”, com um quê do ilusionismo controlado de “O Grande Truque”, como, principalmente, pela necessidade do longa de se levar a sério quando as reviravoltas vão sendo reveladas. Até a fotografia e todas essas “tosqueiras” com cara de filme B apresentadas inicialmente são explicadas, como se Rodriguez rejeitasse o seu próprio cânone cinematográfico, para poder se encaixar no “cinema certo”. Isso fica ainda mais evidente em como ele contrasta o amarelado do mundo construído com a sobriedade visual do real, ao mesmo tempo que faz questão de retomar e mostrar novamente os eventos interpretando como eles aconteceram, o que já estava para lá de claro.
Não é dizer, de forma nenhuma, que Rodríguez é um grande diretor com uma carreira impecável, enquanto Nolan é o pior cineasta do mundo. Longe disso! Por mais que eu não seja um grande fã do britânico, ele certamente tem muitos filmes bem melhores do que o americano. A questão é primordialmente de personalidade, a frustração de um filme que perde a sua cara, por mais tosca que ela pudesse parecer, para mergulhar em algo que nada tem a ver nem com o cineasta e muito menos com o que havia sido proposto até então. Nem quando Rodriguez foi fazer trabalhos recentes encomendados por grandes estúdios, como “Alita” ou mesmo os episódios que dirigiu no “Mandoverse” de Star Wars, sua direção soou tal sem sua cara. Pelo contrário, por mais questionáveis que sejam essas obras, Rodriguez consegue mergulhar o cinema mais formulaico atual em um mar de escolhas estéticas que são a sua cara, ambas até compartilhando esse prazer pelo corpo mutilado e reconstruído que marca sua carreira desde o início. “Hypnotic” parece ter vergonha de se assumir completamente como esse filme de locadora, o que é bastante frustrante, já que o longa estava com a faca e o queijo na mão para ser uma espécie de resistência da “baixa cultura” cinematográfica. É mais uma apunhalada pelas costas no cinema de gênero.