|Crítica| 'Nosso Sonho' (2023) - Dir. Eduardo Albergaria
Crítica por Victor Russo.
'Nosso Sonho' / Manequim Filmes
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Apesar da estrutura bem tradicional, “Nosso Sonho” funciona quando se permite parar e focar na relação central, trazendo uma magia sobrenatural na figura de Lucas Penteado
Poucos gêneros são tão padronizados quanto a cinebiografia, chegando até a adquirir uma espécie de subgênero popular na cinefilia chamado pejorativamente de “cinebiografia Wikipédia”. A estrutura é sempre parecida, cobrir a vida inteira dessa figura, quase sempre colocada em um pedestal, até chegar ao final da sua vida ou um evento importante em questão. No caminho, as constantes elipses são interrompidas apenas por eventos importantes, sejam da infância que formaria aquele personagem, ou acontecimentos conhecidos dos fãs, como a criação de uma música famosa (quando se trata de uma cinebiografia de alguém do meio musical) ou ao conhecer alguma outra pessoa marcante. Seja um filme nacional da Globo Filmes ou um daqueles chamados Oscar bait, a cinebiografia é quase sempre tratada dessa forma, com a linguagem cinematográfica sendo secundária perante à história de homenagem.
Nesse sentido, o longa de Eduardo Albergaria segue todas as batidas padrões desse gênero, ou quase todas elas. Isso porque, por mais que o longa seja prejudicado por essa necessidade de passar rapidamente por eventos e personagens, e isso tire bastante o peso da ascensão da dupla ao estrelato, constantemente a obra se permite desacelerar e olhar para esses momentos-chave com mais carinho, não precisando, muitas vezes, da narração em off que quase sempre serve apenas como muleta para costurar as diversas elipses. São nesses detalhes que Albergaria faz o filme crescer e pulsar. É quase como se o protocolo da cinebiografia fosse esquecido e fôssemos aproximados daquelas personalidades cheias de ternura. O carinho e a parceria, desde o primeiro abraço, passando pelos momentos de mais pressão, como Buchecha (Juan Paiva) vomitando antes de subir no palco pela primeira vez, até os momentos finais, são os elementos de sustentação e humanidade.
Porém, por mais que Paiva segure bem nessa posição de fio condutor, a grande personalidade do longa está em Lucas Penteado e essa visão de Albergaria para Claudinho. O longa se torna muito mais do que uma história do protagonista ou da dupla, mas um olhar para Claudinho a partir da visão de Buchecha. Por mais que em alguns momentos o personagem de Paiva se irrite, ele nunca tira o brilho de Penteado, essa figura mística que desceu à Terra cheia de luz, sonhos e felicidade. Claudinho não é apenas o famoso cantor que faleceu em um acidente trágico quando fazia parte de uma das duplas de maior sucesso daquele momento, ele é quase um anjo, um ser onipotente. Ao mesmo tempo, tal mitificação do personagem, capaz de prever sua morte ou antecipar o seu sonho que parecia impossível, nunca vem desprovida de realidade. A casa pequena, o trabalho para ganhar pouco, as conversas no ônibus ou o baile funk como único lazer do dia retratam esse personagem como um ser da periferia carioca, lutando para sobreviver, só que sem nunca tirar o sorriso do rosto.
Por mais convencional que a estrutura narrativa possa ser, ou que cenas sejam inseridas apenas como uma finalidade de mensagem nada sutil, quando a câmera olha para Claudinho e Buchecha juntos e esquece o entorno, “Nosso Sonho” deixa de ser só mais uma cinebiografia. Do carro dos sonhos visitado pela primeira vez com o chaveiro balançado e o som de fora quase inaudível, até a falta de resposta de Claudinho após fazer um pedido especial e, principalmente, sua retirada no meio do show, enquanto vê com emoção o amigo pular no palco, o longa encontra luz no contraste dessa figura mágica, capaz de se emocionar com um olhar em silêncio e divertir pela sua energia genuína.