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|Festivais| Cobertura Tribeca Film Festival 2024

|Festivais| Cobertura Tribeca Film Festival 2024

Textos por Victor Russo.

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Confira os comentários sobre cada um dos filmes assistidos pelo crítico Victor Russo na cobertura online do Festival de Tribeca 2024, que acontece presencialmente em Nova York entre os dias 5 e 16 de junho: 

 

DIA 1

Bitterroot (07/06) - Competição Narrativa dos Estados Unidos:

Longa de Vera Brunner-Sung segue uma tradição recente do cinema americano, sobretudo filmes indies, impulsionados pela visibilidade do Oscar e outras premiações para filmes como Vidas Passadas e Minari. Só que aqui, ao invés da Coreia (ou da China, como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), o retrato é muito mais para uma cultura que ultrapassa fronteiras, os Hmong, aqui representados por imigrantes do Laos, mas que também vivem em países como China e Vietnã, com uma identificação e modo de vida que vão além da delimitação dessas nações.

Entretanto, como é comum nesse cinema indie americano, Brunner-Sung baseia toda a sua encenação a personagens distantes que mal falam, pouca profundidade de campo e uma iluminação fria. Nem a cultura Hmong, nem a vida desses personagens como imigrantes são realmente aprofundados, ficando restritos a duas ou três linhas de diálogos. O close-up constante, a fim de gerar aproximação, pouco surtem efeito, já que tudo na encenação nos afasta desses personagens. No final, é mais um filme que busca uma suposta profundidade por ser um “drama” e não por realmente propor algo em tela.

Nota: 2/5

 

Eternal Playground (07/06) - Competição Narrativa Internacional:

A superação do luto enquanto nostalgia e segurança. Longe de aprofundar as questões mais intrínsecas ao seu tema, a dupla de diretores busca um retorno à infantilização, à nostalgia em sua forma mais pura, uma volta àquela ideia de quando tudo era bom e não existiam preocupações. Ainda que tudo seja fabricado dentro da própria narrativa, há uma doçura gostosa e despretensiosa, ao mesmo tempo em que a imagem, filmado em 16mm remetendo bastante ao cinema dos anos 1990 e começo dos anos 2000, encontra essa diversão de retorno a partir, primeiro, do próprio cinema.

Nota: 3/5

 

DIA 2

Fire Fucking Fire (08/06) - Curta: 

O divertido curta de Julia Eringer and Rachel Paulson nem esbarra praticamente em temas relevantes, mas encontra no efeito bola de neve, com elementos um tanto surreais, a sua força motriz, lidando com a tecnologia e o fandom não como algo ridículo que deve ser rejeitado, mas como único e exclusivo elemento de desespero dessa protagonista, indo do céu ao inferno em tempo recorde, fazendo da angústia dela a nossa. Nada ali teria grandes proporções, é só doloroso ver aquela casa sendo destruída aos poucos (talvez o único subtexto aqui seja essa ode americana pela propriedade privada como algo que não pode ser profanado, mas nem de perto isso parece um real interesse das diretoras, muito mais preocupadas com o sentimento gerado). O tipo de filme que raramente vemos em festivais e funciona perfeitamente como um respiro para as narrativas mais densas de outras competições. 

Nota: 3/5

 

Under The Grey Sky (08/06) - Competição Narrativa Internacional:

Primeiro filme sobre os protestos de 2020 contra o ditador bielorruso Aleksandr Lukashenko, o longa de estreia de Mara Tamkovich se volta para o momento presente, com o céu literal e metaforicamente cinza, para ressaltar esse jornalismo e seus artifícios pelas novas tecnologias, enquanto a resposta do Estado opressor nunca é mostrada da forma mais tradicional, rejeitando assim a tortura pelos olhos da jornalista presa e percebendo tudo pelo contexto de quem está de fora, facilitando assim o retrato desse sistema em sua conjuntura mais burocrática e revestida de legalidade, enquanto guarda o grande momento dramático se volta para a gravação do falso testamento que a personagem não consegue ler contra sua vontade. Assim, a imagem da personagem não só é preservada em sua dor, como enaltecida em suas ações pontuais (a live que resulta na prisão iminente, os flashbacks que constroem suas convicções e a leitura do testamento de culpa).

Nota: 3,5/5 

 

Pastrana (08/06) - Curta:

A voz carrega as emoções dos que ficaram, enquanto as imagens exaltam a velocidade e as descidas de skate. A combinação nos faz entender quem foi Pastrana, como ele marcou os que agora não o tem e, principalmente, porque ele amava esse esporte a ponto de entregar sua vida literal e metaforicamente a ele. Belíssimo curta brasileiro, infelizmente o único filme nacional no Festival de Tribeca 2024.

Nota: 3,5/5

 

Some Rain Must Fall (08/06) - Competição Narrativa Internacional:

O longa chinês se usa bem da razão de aspecto mais quadrada como uma forma não necessariamente de enclausurar sua protagonista (como convencionou-se dizer que é a função primordial da proporção 4:3), mas principalmente como uma escolha do que deixar dentro e fora de campo. Por exemplo, ao não permitir um enquadramento mais horizontal, nunca vemos como o suposto incidente incitante, a protagonista acertando a bola de basquete em uma idosa, ocorre, apenas ouvimos e reproduzimos em nossa mente. O próprio fato de nunca mostrar a mulher atingida fortalece esse olhar para a personagem principal e sua depressão e isolamento quieto, muito reforçado também pelas cores verdes e o laranja sempre quase presente em uma fotografia chiaroscuro, que esconde quase todo o cenário e o rosto dela. Por mais que o filme pareça nunca avançar, ele é capaz se construir bem visualmente.

Nota: 3/5

 

DIA 3

Pirópolis (09/06) - Competição de Documentário:

Documentário que visa retratar a vida dos bombeiros em Valparaíso, Chile, lidando com as queimadas, a partir de técnicas, treinamentos e cortes de orçamento, pouco faz para além de uma série de imagens distanciadas que vão só aumentando o desinteresse a ponto de nem sabermos mais o que estamos assistindo.

Nota: 2,5/5

 

Agarrame Fuerte (09/06) - Competição Narrativa Internacional:

A fantasia materializada como uma busca de enfrentar o luto. Ana Guevara e Leticia Jorge não tentam explicar a morte, ela está posta, mas fazem dessa Elena ideal em uma espaço deslocado do mundo uma representação dessa cuidadosa e bela aceitação gradual. Só que, o apego por essa relação se dá sobretudo em como essa fantasia não se dá de forma idealizada, mas por acontecimentos comuns a um verão ensolarado. Há desentendimentos, carinhos, o filho da outra amiga some e gera desespero, elas cozinham, comem, bebem, penduram roupas. É nessa aproximação com o real que essa aura emanada por Elena, em um consciente último encontro, que torna ainda mais tocante esse desenvolvimento do luto de Adela.

Nota: 4/5

 

Griffin in Summer (09/06) - Competição Narrativa dos Estados Unidos:

É bastante comum filmes de coming of age pouco proporem em termos de linguagem, até por uma certa saturação do gênero. O interesse maior aqui se volta para como lidar com as problemáticas desse período da vida, a transição da adolescência que leva a criança a um amadurecimento rumo a se tornar um adulto. Neste caso, Griffin soa deslocado dos demais companheiros, ele parece um idoso em um corpo de criança, sobretudo na forma de se vestir, pensar e transmitir ideias para o papel. É na entrada do garoto mais velho que ele passa a criar um amor platônico que começa a revelar sua idade, e, após muitos deslizes e projeções, pode finalmente se entender e adentrar o momento da vida mais condizente consigo. É o Crescendo Juntos dessa temporada, inclusive tendo Abby Fortson como a melhor amiga do protagonista.

Nota: 3,5/5

 

 

DIA 4

Beacon (09/06) - Tribeca Midnight:

Thriller com elementos de terror se coloca quase em uma posição de ser uma variação menor de O Farol (2019), inclusive com o título servindo como uma espécie de sinônimo para “The Lighthouse” (título original traduzido literalmente para o português). Apesar disso e de ainda ser, provavelmente, um dos filmes com maior orçamento do festival, Beacon é um filme econômico, trabalhando com a mesma desconfiança entre os personagens e as histórias de marinheiros envolvendo sereias, mas sob uma ótica um pouco diferente. Não há a mesma sensação de igualdade, a partir do momento que essa protagonista, uma jovem viajando sozinha de veleiro pelo mundo, cai nessa ilha isolada e incomunicável. A cineasta pauta tudo pela desconfiança, em como o homem que ali mora parece bondoso demais para ser real, gerando uma sensação de lobo em pele de cordeiro, tudo por uma perspectiva de dúvida da garota.

É um daqueles filmes bem filmadinhos, que segue quase um manual do subgênero em questão, e até consegue ser eficiente em como constrói essa desconfiança a partir do ponto de vista da protagonista. Mas não há nada realmente instigante aqui para além de um sub-O Farol meio genérico. Competente e só.

Nota: 2,5/5

 

Hunters on a White Field (10/06) - Competição Narrativa Internacional:

Em sua estreia na direção, a sueca Sarah Gyllenstierna, assim como já foi objeto de interesse de tantas outras cineastas antes dela, olha para a masculinidade em sua forma mais pura e destrutiva. Essa necessidade de demonstrar virilidade se inicia já com a premissa, três homens caçando animais isolados na floresta com suas armas em riste, enquanto acompanhamos de perto apenas o mais reticente e humanizado do trio.

Ainda que flerte com esse terror mais dramático e interpretativo, em seu isolamento e simbolismos constantes, que se popularizou com a A24, Sarah resolve bem suas ideias, mesmo que sem sujar as mãos completamente, o que aqui funciona razoavelmente bem nesse comentário sobre a violência masculina, destrutiva, mas nunca espetacularizada pelo longa. É justamente nas reações do protagonista e nos planos detalhes que a cineasta encontra a verdadeira força para o seu discurso. 

Nota: 3/5

 

Era Oculta (10/06) - Viewpoints:

A busca por criar um recorte específico daqueles personagens em Maputo funciona bem enquanto construção espacial, nesse constante deslocamento do protagonista pela cidade. Entretanto, sempre que o longa se estabiliza em algum local específico e tenta construir um imaginário maior, há um forte amadorismo, do texto literal que reforça o que quer ser dito sem nenhuma naturalidade, passando pelo áudio incapaz de captar esses diálogos com clareza, até a encenação, quase sempre com tudo filmado em planos únicos mais abertos, dando uma impressão que o cineasta colombiano Carlos Vargas não tem muito controle de como decupar. O que poderia soar documental não consegue extrair esse ar de realidade e escancara a inexperiência dos atores vivendo eles mesmos forçadamente.

Nota: 2/5

 

DIA 5

Rebel Country (11/06) - Spotlight+:

O documentário parte de um debate interessante, uma discussão sobre o country, que se expande para outros gêneros musicais e até para a arte de forma geral, focando em como as bases fundadoras vão sendo modificadas e adquirindo novos elementos e combinações a partir de novas influências e vozes que vão ganhando espaço na sociedade em constante movimento. Só que, como é muito comum em obras americanas, o filme não consegue ir além de visões extremamente superficiais e frases pré-programadas, em parte culpa da direção, super convencional, misturando talking heads, trechos de videoclipes e personagens andando ao som de uma trilha sonora dramática genérica, mas também muito resultado da sociedade de um país que parece incapaz de pensar além de discursos prontos. Parece um bando de robôs verbalizando threads genéricas do Twitter.

Nota: 1,5/5

 

Arzé (12/06) - Viewpoints:

Como em Ladrões de Bicicleta, filme que é claramente a referência de Mira Shaib, o mcguffin se torna um artifício poderoso para a construção de um retrato daquele país, sua situação social, política e econômica. Assim, a narrativa que obriga Arzé e seu filho a serem jogados de um lado para o outro a fim de encontrar a scooter roubada, cria toda uma complexa Beirute, não só como as pessoas agem, mas, principalmente, reforçando essa segmentação social, em que cada bairro parece fechado a uma cultura específica, de difícil compreensão para o espectador estrangeiro.

Só que, ao contrário do filme que presta homenagem, em que lá o protagonista só recorre a ações moralmente questionáveis em um desespero extremo, Arzé conta ainda mais com o fato de ser a protagonista, filmada quase sempre de perto por Shaib, para ter uma empatia maior do público, já que o seu desespero não é o único motivador para a manipulação que ela exerce sobre outros personagens, como seu filho e sua irmã, o que nunca vilaniza a personagem, mas a humaniza e nos aproxima ainda mais dela. Sem dúvidas uma ótima estreia de Shaib em longas-metragens.

Nota: 3,5/5 

 

The Shallow Tale of a Writer Who Decided to Write about a Serial Killer (12/06) - Spotlight Narrative:

A comédia macabra encontra elementos do cinema Noir, ou melhor, Neo Noir, a partir do momento que o preto e branco é substituído por cores vibrantes, mas que ainda assim criam sombras nesses personagens de moral questionável. Com um certo estranhamento distante dos personagens do cinema de David Lynch e uma sucessão de erros característica dos Irmãos Coen, os dois cineastas que mais fizeram Neo Noir na carreira provavelmente, The Shallow Tale… parece um encontro entre Gosto de Sangue e Barton Fink, ao se autocomentar com esse protagonista escritor em crise, enquanto os constantes erros vão gerando cada vez mais crimes a serem escondidos.

Ainda que pareça não saber como fechar, o longa consegue criar em sua encenação essa metalinguagem e a terapia de casal por meio da violência e do perigo, ao mesmo tempo que inverte as posições ao colocar a mulher (Britt Lower) para perseguir os homens (John Magaro e Steve Buscemi) e renascer a partir do seu voyeurismo.

Nota: 3,5/5

 

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