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|Crítica| 'Vortex' (2021) - Dir. Gaspar Noé

|Crítica| 'Vortex' (2021) - Dir. Gaspar Noé

Crítica por Victor Russo.

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'Vortex' / MUBI Brasil

 

Título Original: Vortex (França)
Ano: 2021
Diretor: Gaspar Noé
Elenco : Dario Argento, Françoise Lebrun, Alex Lutz e Kamel Benchemekh.
Duração: 142 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Em seu filme mais maduro e diferente, Gaspar Noé substitui o choque vazio da imagem pela força dramática situacional e empática para com o público

Noé é há pelo menos duas décadas um dos diretores mais divisivos do cinema mundial. Constante em grandes festivais, mas rejeitado por boa parte da cinefilia, o diretor argentino ganhou destaque na sétima arte com o bom “Irreversível”, em 2002. Porém, depois disso, aquilo que chamou atenção em seu primeiro longa, o choque visual por meio de imagens gráficas violentas, a nudez e o sexo quase explícito, as referências ao cinema e o excesso de elementos visuais expressivos, como as luzes fortes de cores quentes e saturadas, parece ter se tornado apenas um fetiche no cinema do cineasta. 

O choque visual perdeu a força ao ser banalizado a apenas choque pelo choque, enquanto as escolhas estéticas passaram a ser mais exibicionismo do que realmente capazes de provocar sensações genuínas no público. Muitas vezes, sobretudo em longas como “Clímax” e “Love”, soa mais como o diretor batendo palma para ele mesmo, enquanto se torna cada vez mais distante do público.

Então, “Vórtex” chega para guiar o cinema do argentino de volta à empatia, em uma narrativa que nos capta muito mais por reconhecermos no casal um retrato da velhice que provavelmente já presenciamos com familiares ou, pelo menos, ouvimos falar. A tortura aqui deixa de ser gratuita como nos últimos longas de Noé, deslocando-se do choque visual para pequenos gestos, diálogos e situações cotidianas que ao invés de nos fazer simplesmente sentir pena dos personagens, transporta-nos para próximo deles. Ainda que incapacitado de fazer algo, o público se torna mais ativo ao vivenciar cada pequeno momento junto aos personagens.

Ainda assim, “Vórtex” está longe de ser um filme isento de escolhas estéticas expressivas. Essa busca por uma aproximação entre público e diegese, conseguindo captar a intimidade que ele tanto se esforçou para retratar em “Love”, mas se perdeu em um malabarismo estético distante, ocorre em grande parte pela principal escolha mais ousada do diretor, uma divisão da tela em dois, quadros esses que acompanham cada um dos personagens, mesmo quando ambos estão conversando no mesmo ambiente. Mais uma vez, Noé evidencia o seu fazer cinematográfico de uma forma bastante clara, mas aqui com uma efetividade sensorial e não apenas para parecer espertinho ou capaz de criar belos quadros.

Tal divisão se transforma em uma barreira, um afastamento entre pessoas que viveram juntos por toda a vida, mas são incapazes de compartilhar esses momentos, ainda que vivendo sob o mesmo teto. É bem verdade que essa lógica se perde um pouco em algumas aparições do filho, mas nada que nos impossibilite de continuar vivendo aqueles momentos dolorosos.

Entretanto, Noé ainda é refém de seus excessos, nessa busca por torturar o público até que esse não aguente mais. Isso se dá aqui não pelos planos longos com poucos acontecimentos, mas, sobretudo, pela necessidade de manter essa dor monótona por mais de duas horas e vinte minutos e reforçar alguns momentos mais chocantes.

Assim, “Vórtex” é a prova de que o cineasta argentino ainda é capaz de fazer um bom cinema, mesmo que os excessos continuem presentes em grande medida para causar um afastamento entre público e obra. Não deixa de ser o filme mais maduro do cineasta em um bom tempo.

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