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|Crítica| 'Urubus' (2023) - Dir. Claudio Borrelli

|Crítica| 'Urubus' (2023) - Dir. Claudio Borrelli

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Urubus' / O2 Play

 

Título Original: Urubus (Brasil)
Ano: 2023
Diretor: Claudio Borrelli
Elenco : Bella Camero, Gustavo Garcez, Graça de Andrade, Bruno Santaella, Julio Martins e Leonardo Muniz.
Duração: 113 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Entre momentos autênticos e desvios desinteressantes, Claudio Borrelli faz um filme baseado em fatos reais que se sustenta por uma grande força de sua essência, ainda que perca o foco diversas vezes

Os altos e baixos de “Urubus” são interessantes ao avaliar o quanto a potência de um filme pode segurar seus descaminhos. O que inicia como um manifesto revolucionário que questiona a arte, os espaços que ela ocupa e as pessoas que a criam, vira diversas rotas que carecem de foco, mas a reconstrução dessa São Paulo marginalizada e os grupos de pixadores que deixam suas marcas no cenário urbano é tão sólida que acaba amenizando os momentos mais desnecessários da narrativa. A princípio, o longa parece ter por objetivo contar a história de como o grupo invadiu a Bienal de 2008 e os questionamentos que nascem a partir disso. A atenção dada para construir esse momento, bem como a competência de criar a tensão e a expectativa nas cenas, com um resultado bem marcante, é tão grande que parece confuso perceber que ainda é apenas o começo da duração da obra e muita coisa ainda está por vir. É nesse ponto que é possível perceber uma fraqueza do filme, que não sabe para onde ir.

Quando o foco está na invasão da Bienal, os conflitos são claros, entre os pixadores que buscam ocupar a cidade e uma arte elitista, em uma cidade elitista. Existe um breve paralelo entre seguranças particulares como pessoas do povo servindo a interesses que não são deles e a polícia como dispositivo do estado, inimiga, assim como na vida real. Nesses momentos “Urubus” carrega argumentos fortes que não precisam de discursos explicativos para passar sua mensagem, embora o faça pontualmente. Porém, é curioso que após a invasão, em uma de suas muitas distrações, o filme torne o conflito algo entre os próprios grupos de pixadores e suas comunidades, afastando a problemática dos verdadeiros vilões, anteriormente apresentados. A guerra dos pixos sendo cruzados abre espaço para mostrar uma sociedade que vive por suas próprias regras, mas abandona o objetivo inicial e, da mesma forma, é abandonada também no desenrolar da história. 

São muitos momentos abandonados e outros que não acrescentam em nada. O próprio romance entre Trinchas (Bruno Santaella) e Valéria (Bella Camero) que ensaia um caminho sobre uma desigualdade de classes e o acesso à arte lá no começo, não sustenta a ideia - talvez para o bem, nesse caso - e se torna uma trama clichê que pouco agrega no filme. Esse e outros exemplos que poderiam ser dados, parecem esforços para dar uma densidade dramática e humanizar os personagens, porém, é desnecessário, visto que o grupo e sua história não precisam desses artifícios para criarem uma relação com o espectador. A velocidade do longa, a relação com a cidade e a autenticidade dos homens que se dedicam ao pixo é mais do que suficiente para carregar essa obra, mesmo quando o filme opta por olhar para uma guerra entre eles mesmos. Existe algo muito fascinante na forma como Borrelli retrata esse mundo dentro de São Paulo - com grandes méritos para a fotografia e trilha sonora - nas periferias, no centro, nas relações entre essas pessoas tidas como criminosas por grande parte da população. Aqui não há uma glamourização dessa vida, pelo contrário, em muitos momentos ainda é retratada como algo perigoso e trágico, mas é um olhar humano que permite um espaço para ver além dos julgamentos.

Existe uma quebra do começo do longa, em que o tom é de uma revolução anarquista vinda das ruas para conquistar espaços proibidos, e mais próximo do final, que começa a marginalizar demais seus personagens caminhando para uma tragédia pessimista que parece tirar a força daqueles homens e os tornar meras vítimas da sociedade. É como se aos poucos o diretor mudasse de ideia sobre a mensagem que quer deixar. Mesmo assim, existem diversos momentos que fazem valer a pena esses deslizes, lembrando sempre que existe arte nas ruas, de onde ela vem, a força que carrega e a relação dela com o mundo. 

Destaco principalmente a reconstituição da invasão e todos os momentos que os Urubus se arriscam pela cidade, em cenas repletas de adrenalina, que parecem ser a verdadeira essência do longa. 

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