|Crítica| 'Uma Vida - A História de Nicholas Winton' (2024) - Dir. James Hawes
Crítica por Victor Russo.
'Uma Vida - A História de Nicholas Winton' / Diamond Films
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James Hawes ocupa-se de apenas enquadrar a história real e manipular-nos de forma evidente nos minutos finais, em um filme que diminui o acontecimento frente ao heroísmo individual do protagonista
Hawes retorna ao cinema após mais de uma década, mas ainda tem a BBC como uma das produtoras do drama britânico. Diretor que construiu sua carreira fazendo episódios de séries controlados por outros showrunners e filmes para televisão, incluindo muita coisa para a própria BBC, sendo uma delas um remake de “Os 39 Degraus”, de Alfred Hitchcock, Hawes parece confortável nessa posição de diretor que apenas “enquadra o roteiro”, como diria François Truffaut, em seu texto célebre e fundamental para a teoria do autor “Uma Nova Tendência do Cinema Francês”. Nesse artigo, o crítico e cineasta francês critica a tradição francesa dos chamados, pejorativamente, “filmes de roteirista”, em que diretor seria encarregado de apenas enquadrar a história da forma mais básica possível, dando ao conteúdo/texto a única preocupação daquelas obras. Tal prática ainda se mantém bastante presente em todos os cinemas do mundo, sobretudo no Hollywoodiano, e mais ainda em séries de televisão com diretores contratados para dirigir um ou dois episódios, sem controle nenhum sobre o que estão trabalhando, funcionando apenas como um dispositivo no set de filmagem. Hawes faz de um “Uma Vida” exatamente isso, como muitos dramas históricos europeus e americanos, que buscam apenas ressaltar o feito grandioso de um homem simples.
Ao contrário de cineastas como Clint Eastwood, que também tem olhado bastante para a grandiosidade do homem comum em muitos de seus filmes mais recentes, mas sempre estabelecendo um diálogo com sua abordagem clássica e direta, Hawes olha para NIcholas Winton da forma mais protocolar possível, enquadrando com simplicidade aquela ambientação pré-fabricada dos filmes de menor repercussão sobre a segunda guerra. É um filme sem pretensão nenhuma de ter relevância, com uma simplicidade de abordagem que mais tem a ver com um diretor sem personalidade do que com uma consciência de seu lugar. Até porque, em algum sentido, “Uma Vida” até tem uma certa vontade de ser aquele filme emocionante baseado em fatos reais que as premiações amam, inclusive ao ressaltar uma atuação específica, no caso, Anthony Hopkins nos minutos finais, quando a trilha sobe e o filme grita “CHORE AGORA”.
Nesse sentido, o longa está tão impregnado por esse fazer hollywoodiano que nem percebe contradizer justamente aquilo que vende. Se Hawes é um mero “enquadrador” da história que ressalta a sua importância, no final, esta se diminui frente ao protagonista. Os sobreviventes ou toda a equipe que participou do processo de salvamento daquelas crianças são diminuídos frente a necessidade do filme em construir Winton como um ser de humanidade ímpar e irretocável, um homem simples, mas predestinado, que conseguiu enfrentar o sistema mais vil da história a fim de salvar o futuro de um povo. Se essa visão parece rasa (e com certeza é), torna-se mais problemática ao diminuir completamente todos os participantes desse processo, tornado-os quase um número sem rosto. É a individualização típica do cinema americano que o Oscar sempre amou (mas tem rejeitado um pouco mais nesse suposto processo de modernização recente). No fim, o que diferencia “Uma Vida” de um página de Wikipédia sobre o personagem ou sobre a história é no máximo manipulação mais evidente nas cenas do programa de TV, que dá nome ao filme, já que no restante, o cinematográfico é um mero acessório para esses acontecimentos.