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|Crítica| 'Um Lugar Silencioso: Dia Um' (2024) - Dir. Michael Sarnoski

|Crítica| 'Um Lugar Silencioso: Dia Um' (2024) - Dir. Michael Sarnoski

Crítica por Victor Russo.

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'Um Lugar Silencioso: Dia Um' / Paramount Pictures

 

Título Original: A Quiet Place: Day One (EUA)
Ano: 2024
Diretor Michael Sarnoski
Elenco: Lupita Nyong'o, Joseph Quinn, Alex Wolff e Djimon Hounsou.
Duração: 99 min.
Nota: 3,5/5,0

 

O trauma do 11 de Setembro nunca impede Um Lugar Silencioso - Dia Um de ser mais um capítulo da franquia, sem a obrigação de dar respostas ou ser maior do que os anteriores

Um dos subgêneros prolíficos da ficção científica, o filme de invasão alienígena sempre teve um potencial de lidar com os medos da sociedade (em representações muitas vezes racistas), quase sempre tendo a paranoia como elemento central, seja com extraterrestres partindo para um confronto direto e destrutivo, ou quando esses se misturavam secretamente entre nós, premissa muito presente durante os anos de Guerra Fria para retratar esse pavor do estadunidense de ser espionado e manipulado por agentes soviéticos infiltrados. Porém, o trauma causado pelo 11 de Setembro foi determinante para uma nova guinada não só desse subgênero, como também de toda uma representação hollywoodiana. O militarismo, sempre presente, tornou-se dominante em todas as esferas, os corpos sarados deixaram de vir carregados de tesão e se transformaram em máquinas de guerra dessexualizadas, como os filmes de super-herói do período Marvel evidenciam (não à toa o primeiro filme do MCU foi Homem de Ferro, que trazia mulçumanos como vilões em tempos de Guerra do Iraque e do Afeganistão). O terror (e o cinema hollywoodiano em geral) foi abandonando a fantasia, transformando todo o perigo em algo real, palpável, como se não existisse mais espaço para imaginar. Não seria diferente com o filme de invasão alienígena e adaptando esse subtexto do medo que vem de fora ao 11 de Setembro e a chamada Guerra ao Terror, surgindo filmes como Cloverfield.

23 anos se passaram desde o fatídico evento, mas a ferida ainda parece longe de ser cicatrizada. Vendido como um prequel da franquia e o primeiro não dirigido pelo seu criador John Krasinski (que assina apenas a história junto a Michael Sarnoski, sendo este o roteirista e diretor), Um Lugar Silencioso - Dia Um é mais um filme a ter como subtexto bastante evidente o ocorrido no World Trade Center. Não por acaso, o espaço, antes afastado das grandes cidades, é Nova York, em um dia aparentemente tranquilo, até que um ataque inesperado coloca o exército nas ruas, o ar é dominado por cinzas a ponto de não se ver nada para além da protagonista (Lupita Nyong’o), e a apreensão por novas agressões tomar conta. Não bastasse o espelhamento do 11 de Setembro enquanto evento presente, o sentimento de quem estava no local naquele dia, Sarnoski conduz sua narrativa para o antes e o depois por meio de Samira. O passado nunca é visto, é uma lembrança distante e nostálgica de quando tudo era bom, enquanto se tem uma impossibilidade de viver o depois. O trauma leva a personagem a retornar aos lugares que marcaram sua infância, mas a pizzaria preferida não está mais lá e o piano não pode ser tocado.

Entretanto, Sarnoski nunca se mantém apenas nesse subtexto, ele tem a compreensão desse universo enquanto regras, e, sobretudo, potencial sensorial a partir do elemento sonoro. Então, tudo que remete ao 11 de Setembro vai ser usado também para reforçar essa sensorialidade do som. Se o piano não pode ser tocado é porque vai atrair os alienígenas, se Manhattan é o centro é como um cenário caótico e barulhento que traz um contexto ainda não trabalhado para a franquia, além de ser um local rodeado por água, que se transforma em mais um artifício a ser utilizado pelo roteiro. Assim, Um Lugar Silencioso - Dia Um não se coloca exatamente na posição de um prequel, já que pouco explica sobre o ocorrido, ainda bem, pois recorrer a diálogos expositivos trairia a proposta central de toda a franquia, ao mesmo tempo que também não tem aquela pretensão meio boba de sequências de serem maiores que o anterior, ou de spin-off de preencherem lacunas em aberto (apesar de ter Henri, interpretado por Djimon Hounson, como uma única e minúscula ligação com o segundo filme). Trata-se, então, de um filme independente do todo em relação à história, como mais um capítulo à parte naquele universo, que existe por ele mesmo, ainda que possa ceder um personagem para o restante da franquia se Krasinski assim quiser.

É justamente esse contexto de liberdade da história, ao mesmo tempo que as regras do universo já estão estabelecidas, que permite a Sarnoski lidar com tudo a partir de relações novas e uma encenação sensorial, que tem na imagem suas respostas. Não há explicações, a chuva e a água abafando o som para as poucas conversas, o trovão ajudando na hora de arrombar uma porta ou água como restrição aos alienígenas, são alguns dos elementos que o cineasta trabalha visualmente e rapidamente entendemos. O silêncio é ainda elemento fundamental para a bonita relação entre Samira e Eddie (Joseph Quinn), semelhantes que se encontram, se conectam e agem de uma forma quase simbiótica. É também por ser apenas mais um capítulo que faz do filme uma constância de situações alongadas pelo perigo, mas simples em contexto, como tirar um gato de cima de um andaime (a brincadeira do gato que sobe na árvore e não desce), e quase morrer por isso. O longa só não funciona melhor nessa proposta porque nem sempre o cineasta tenta sustentar a mise en scène pelo silêncio, e quando recorre a uma trilha sonora meio genérica de thriller, trai com força tudo aquilo que o longa representa.

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