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|Crítica| 'Trilha Sonora para um Golpe de Estado' (2025) - Dir. Johan Grimonprez

|Crítica| 'Trilha Sonora para um Golpe de Estado' (2025) - Dir. Johan Grimonprez

Crítica por Victor Russo.

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'Trilha Sonora para um Golpe de Estado' / Pandora Filmes

 

Título Original: Soundtrack to a Coup d'État (Bélgica)
Ano: 2025
Diretor: Johan Grimonprez
Elenco: -
Duração: 150 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Johan Grimonprez constrói uma complexa aula de história por meio do cinema, mas não consegue definir sobre o que é o documentário e diminui o seu interesse real pelo Congo

Trilha Sonora Para Um Golpe de Estado começa de maneira frenética, jogando um monte de imagens e textos explicativos na tela, a maioria deles sendo aspas de livros ou entrevistas de pessoas relevantes, e esse ritmo agressivo, de montagem incessante marcada pela trilha sonora de jazz ao fundo, seguirá pelas duas horas e meia de filme. Mas, rapidamente, o espectador, bombardeado por tanta informação, pode se perguntar: sobre o que é esse documentário? O belga Johan Grimonprez tem um faro fantástico para a compreensão da complexa história, seus interesses políticos e variantes, construindo assim uma espécie de aula sobre conflitos na Guerra Fria, o uso do jazz como soft power americano no período a fim de controlar o maior número possível de países no globo, as diversas figuras marcantes que habitaram as atenções da  mídia nos anos 1950 e 1960… Ah, e também o golpe de estado no Congo.

A provocação sobre o real foco do documentário se torna ainda mais sutil e curiosa quando pensamos na nacionalidade de Grimonprez, visto que a Bélgica é a grande responsável pelo massacre no Congo começado no século XIX, e, em teoria, o documentário teria um caráter crítico do cineasta ao seu próprio país, quase como um pedido de desculpas implícito àquela nação africana que nunca se libertou das marcas colonizadoras da Bélgica (e, posteriormente, de outras nações, como os Estados Unidos), algo que a obra também aborda. Entretanto, nessa ânsia de falar sobre muita coisa desse contexto de Guerra Fria, passando por Estados Unidos e União Soviética e seus interesses, não só na região, o papel da ONU e toda a política ali envolvida, ou mesmo sobre a tentativa de uma formação dos Estados Unidos da África e o papel central (mas não tão central assim) de lideranças negras americanas em todo o conflito, Grimonprez acaba se desviando do que parecia ser o foco do documentário, sugerido já no título, o jazz como soft power americano para a arquitetura de golpes de estado, neste caso, o ocorrido no Congo, em 1960, contra o primeiro-ministro eleito Patrice Lumumba.

Apesar da extração de urânio ser citada como uma das causas, assim como Lumumba e outras lideranças que lutavam pela libertação do Congo contra as forças colonizadoras, tudo isso sempre se torna secundário, assim como os artistas de jazz e o real uso americano dessa música e dessas personalidades para a execução desse golpe. São muitas informações sendo colocadas em tela, por meio de textos, já que não há um narrador e o documentarista tem esse preciosismo de explicar todos os contextos da gama de temas e pessoas retratados, dispersando assim a atenção do Congo e voltando uma preocupação muito maior no embate principal da Guerra Fria, sobretudo na CIA e nos líderes rivais Dwight D. Eisenhower e Nikita Kruschev, sempre tendo o país norte-americano no centro, nem que seja para falar de figuras de lá ou a repercussão do acontecimento congolês nos Estados Unidos.

Assim, por mais que o soft power pelo jazz e a influência macabra dos Estados Unidos em diversos golpes de estado no período façam parte da ideia principal do documentário, Grimonprez diminui e até se desinteressa em grande medida pelo Congo e tem nos americanos a razão de ser da obra. Isso fica muito claro ao final, após o golpe se concretizar e Lumumba ser assassinado, o foco narrativo não está em retratar como isso afeta o Congo, mas em representar a reação da comunidade do Harlem se revoltando contra as ações do seu governo. É como se o cineasta tratasse o Congo como algo menor, apenas mais um país colonizado que não merece o mesmo peso narrativo do que a maior potência (pelo menos naquele período) do mundo.

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