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|Crítica| 'Três Mulheres: Uma Esperança' (2023) - Dir. Saskia Diesing

|Crítica| 'Três Mulheres: Uma Esperança' (2023) - Dir. Saskia Diesing

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Três Mulheres: Uma Esperança' / A2 Filmes

 

Título Original: Lost Transport (Holanda)
Ano: 2023
Diretora: Saskia Diesing
Elenco : Hanna van Vliet, Anna Bachmann, Eugenie Anselin, Bram Suijker e Konstantin Frolov.
Duração: 100 min.
Nota: 2,0/5,0

 

Saskia Diesing se escora em clichês de sororidade e empatia feminina com um discurso empobrecido que não consegue acrescentar a um tema já tão desgastado

Apesar de ser, é claro, mais um filme que fala sobre a segunda guerra mundial, “Três Mulheres: Uma Esperança” tenta trabalhar uma nova ótica para justificar o uso desse tema tão explorado, o ponto de vista feminino e a perspectiva holandesa, unindo três personagens centrais, mas basicamente dando maior espaço para o desenvolvimento da judia holandesa Simone. A história, baseada em acontecimentos reais - outro clássico dessa temática no cinema - pesa a mão ao unir essas mulheres tão diferentes sem realmente explorar cada uma delas, se baseando em estereótipos e morais criadas pelo filme que não se constroem de forma natural. Saskia Diesing parece montar uma espécie de purgatório do holocausto no vilarejo alemão, em que a guerra está no fim mas ainda não há liberdade e os inimigos parecem se multiplicar, é uma atmosfera de desconfiança constante. Ainda que os judeus tenham escapado dos nazistas, os Soviéticos são dados como ameaças a eles também e, do outro lado, os civis nazistas que restam, moradores da pequena vila, se tornam vítimas da ocupação do Exército Vermelho, obrigados a dar suas moradas e alimentos aos judeus que se libertaram. Dessa forma, o filme não retrata os nazistas verdadeiramente como vilões, dando um afastamento para eles, tidos como derrotados, explorando apenas os símbolos em cena, numa escolha clara sobre ideologias.

Winnie, a jovem que serve como a representação dos alemães nazistas que apenas acompanhavam tudo pelas propagandas do partido, é usada pelo filme diversas vezes como uma vítima, apesar de pouco trabalhada. Existe um apelo dramático que não acompanha o conteúdo da obra, em momentos que forçam uma empatia com a garota sem ao menos se importar em realmente dar a ela alguma personalidade. O mesmo ocorre com a sniper soviética Vera, dada como o estereótipo da mulher rígida que trabalha num meio masculino, mas no caso dela, o propósito do longa não é criar empatia ou a vitimizar, mas colocá-la como a única pessoa minimamente boa num exército de homens ruins. Assim, diversas cenas ficam fora de tom e não é possível acompanhar os esforços da obra para estreitar essas relações quando as personagens são tão rasas, principalmente nos momentos em que a diretora se demora em algo contemplativo ou num discurso carregado que parece apenas se arrastar. Sem uma boa base para o espectador comprar essas dores e vivências, tudo soa bastante descartável e é difícil não se incomodar com a moral duvidosa que é transmitida.

Dito isso, Simone é a que tem mais possibilidades na trama, mas é também a única das três que não possui ambiguidades, é puramente uma vítima querendo voltar para casa, então ainda que exista uma atenção maior no seu desenvolvimento, ainda assim é tudo bastante simplista. No desenrolar do filme, a diretora pontua momentos com uma sororidade cafona entre as mulheres para montar esse mundo de transição em que ser mulher é sempre ruim, não importa se você tem uma foto de Hitler na sala ou carrega uma arma contando quantos nazistas já matou. A proposta em si não é de todo ruim, mas se sustenta em discursos fracos e prontos, que não levam em consideração a individualidade dessas mulheres, suas diferentes ideologias, crenças e como essas questões impactam no convívio entre elas. É possível pensar aqui no recente Entre Mulheres (Sarah Polley, 2023) que trabalha totalmente em diálogos com diferentes mulheres, explorando seus distintos pontos de vista sem cair em clichês, dando espaço para as ouvir e compreender. Bem longe do que vemos em “Três Mulheres: Uma Esperança”, em que tudo fica muito na superfície, culminando no inevitável desfecho cheio de soluções milagrosas e relações fortalecidas sem sentido algum.

Chega a ser um tanto vergonhoso acompanhar a sniper soviética equiparar nazistas e comunistas enquanto as mulheres chegam à conclusão que a única liberdade para Simone é ir embora com os americanos. Curiosamente, a proposta do filme de um olhar judeu holandês para a segunda guerra acaba sendo quase um filme norte-americano, em que os hérois acabam sendo os mesmos. Ao mesmo tempo, a ideia da perspectiva feminina é igualmente empobrecida, resultando numa obra que não diz nada de novo sobre o tema e parece tentar muito pouco também.

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