Português (Brasil)

|Crítica| 'Top Gun: Maverick' (2022) - Dir. Joseph Kosinski

|Crítica| 'Top Gun: Maverick' (2022) - Dir. Joseph Kosinski

Crítica por Victor Russo.

Compartilhe este conteúdo:
'Top Gun: Maverick' / Paramount Pictures
 
 
Título Original: Top Gun: Maverick (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Joseph Kosinski
Elenco : Tom Cruise, Miles Teller, Jennifer Connelly, Val Kilmer, Jon Hamm, Charles Parnell e Glen Powell.
Duração: 131 min.
Nota: 4,0/5,0

 

“Top Gun: Maverick” segue a fórmula da ação direta como modulador da narrativa, enquanto faz uma fusão entre os anos 80 e o cinema contemporâneo, em temática e estética

'Top Gun: Ases Indomáveis’ é um dos filmes mais marcantes dos anos 80, não necessariamente por suas qualidades fílmicas, mas principalmente por ser um dos melhores exemplos da fórmula do blockbuster hollywoodiano que começou a ganhar vida na segunda dos anos 1970 e explodia na década de 80. Alguns usam denominações como “Nova Nova Hollywood”, “Blockbuster High Concept” e “Cinema Pós-Clássico” para denominar o período, termos esses que são polêmicos e nunca encontraram qualquer tipo de unanimidade no meio acadêmico. 

Mas o que importa mesmo é entender como parte do cinema de maior orçamento de Hollywood funcionava na época e o porquê de “Top Gun” se tornar tão popular por gerações. Tudo começa com “Tubarão”, em 1975, que praticamente inaugura o uso da televisão como uma forma expressiva de marketing, o que ajudou o longa a ser um marco nessa nova era dos blockbusters. Desde então, os estúdios começam cada vez mais a perceber o cinema não como um negócio fechado, mas como um produto capaz de se expandir para outras mídias e continuar lucrando a partir disso. “Star Wars” se mostra o mais bem-sucedido nesse modelo vertical.

Porém, nesse sentido, um dos elementos mais recorrentes nos filmes da época era o uso de músicas para popularizar os filmes e lucrar a partir de vendas de discos e, posteriormente, home video. Isso fica claro em “Top Gun”, um longa que mais parece um videoclipe de quase duas horas, com direito a uma abertura de quase cinco minutos de caça decolando em um fim de tarde e com a música ao fundo. Instantaneamente, músicas como “Danger Zone” e “Take My Breath Away” se popularizaram e se tornaram marcantes junto ao filme, em uma simbiose impossível de romper. A segunda foi número um na Billboard e venceu o Oscar de Canção Original. 

Nesse sentido, o filme de 1986 é um dos maiores exemplos de como longas da época muitas vezes se construíam em torno das musicais (e aqui não estou falando dos musicais), tornando a narrativa ou os personagens algo de menor interesse. Outros bons exemplos são “Flashdance”, “O Guarda-Costas” e “Dirty Dancing”, todos de plots simples e girando em torno das canções.

Quase 40 anos depois, apesar da lógica por trás do blockbuster ser bem semelhante, a do lucro em uma produção quase industrial e extremamente formulaica, as músicas deixaram de ser o foco de venda dessas obras, perdendo agora para universos intermináveis que se expandem para TV, bonecos e brinquedos dos mais variados tipos, HQs e por aí vai. 

Mas não era só essa estética/narrativa meio de videoclipe que marcou “Top Gun”. Outro elemento fundamental estava em sua temática, essa exaltação da masculinidade. Não à toa, vemos a todo instante homens demonstrando a força de sua amizade ao se abraçarem ou se confrontando para provar quem era melhor (ou mais homem). O longa não tinha nenhuma vergonha de expor esses personagens quase todo o tempo sem camisa ou só de toalha mesmo. A cena do vôlei, que mais parece um videoclipe, é a representação de todos esses elementos estéticos e temáticos. Não à toa, o longa parece se preocupar muito mais com a relação entre Maverick e Goose do que no romance morno entre o protagonista e Charlie.

E, claro, outro elemento central de “Top Gun” estava no seu patriotismo e como isso era representado nas sequências com caças, empolgantes na época e impressionantes até hoje. O filme foi até responsável por aumentar o número de alistamentos na época.

Então, é a partir da consciência dos elementos que fizeram “Top Gun” se tornar um sucesso que Joseph Kosinski desenvolve “Top Gun: Maverick” sob uma lógica não de conflito, mas, sim, de união entre os anos 1980 e 2022. Não só em termos cinematográficos, mas também na consciência social de cada período. 

O plot, os personagens e suas relações se assemelham bastante ao filme original. O romance central do Maverick, ele desafiando os superiores, a relação Bradley-Hangman que tem tudo a ver com Maverick-Kazansky, essas disputas dentro do programa para os pilotos se provarem melhores que os outros e por aí vai. Além disso, sobram referências ao longa de 86, desde Bradley no piano, até situações e falas, como o futebol americano na praia que faz referência direta à cena do vôlei. A estética também é mantida até certo ponto, com o uso da luz sépia predominante, por exemplo.

Entretanto, apesar de partir de um lugar comum, “Top Gun: Maverick” não se apega apenas à nostalgia barata e constrói sua identidade a partir de uma revisão (não tão profunda, é verdade) dos elementos que marcaram o filme original. Isso fica claro desde o início, quando o filme rejeita aquelas cantadas machistinhas por meio de uma plaquinha no bar, ao mesmo tempo que dessa vez há uma mulher entre os melhores pilotos de caça. Se a cena do vôlei transpirava masculinidade e provocação, a do futebol americano visa a união, que é até uma das temáticas do longa.

Mas, na verdade, a temática e a história acabam por ser o menos importante aqui, enquanto as mudanças de estrutura e estética são realmente os diferenciais de um filme que supera em muito o seu predecessor. Começando por como o longa rompe com aquela estrutura de videoclipe. Apesar da abertura ser igual a de 1986, as músicas são bem mais raras aqui. Em parte, elas até são substituídas pela narrativa e, sobretudo, por uma preocupação dramática mais presente. Não à toa, o longa vai usar muito do primeiro plano com pouca profundidade de campo para aproximar a gente desses personagens e esquecer por alguns segundos o que está em volta.

Porém, o grande diferencial está mesmo em como “Top Gun: Maverick” se constrói em torno das sequências de ação. É o que acontece no ar que leva o filme adiante, ao mesmo tempo que é responsável pelos momentos mais sensoriais do longa. A obra se debruça bastante no que a dupla Christopher McQuarrie e Tom Cruise tem feito ultimamente, principalmente nos últimos filmes da franquia “Missão Impossível”. Uma ação mais alucinante que torna a história e aprofundamento em personagens algo mais secundário, ganhando o espectador pela empolgação de uma ação que parece ter vida própria.

Só que, apesar de McQuarrie ser produtor e roteirista do longa, é Kosinski quem nos mergulha nessa ópera aérea inconsequente e empolgante. O fato dos atores estarem realmente dentro dos caças (mesmo que sem pilotar daquela forma, é claro) faz tudo aquilo parecer ainda mais vívido e alucinante.

É muito a partir disso que Kosinski rompe um pouco com a diegese, para confundir personagens e atores (ou a persona que esses atores construíram durante a carreira). Vemos isso, por exemplo, em Val Kilmer, que tem o câncer que paralisou sua carreira levado à narrativa do filme e para o seu personagem. E, mais claramente, em Tom Cruise.

Kosinski não tem nenhum pudor ao exibir tudo aquilo que fez de Tom Cruise um ícone do cinema de ação. Desde o cara mais velho que parece não envelhecer (o lobo solitário que ainda é o melhor, uma coisa até meio cinema em época de Guerra Fria), até sua corridinha clássica ou suas maluquices. Vemos o ator aqui realmente pilotando um caça e uma moto em altíssima velocidade, só para citar dois exemplos.

Assim, “Top Gun: Maverick” parece saber como agradar os fãs do original, sem perder um público mais jovem. Mas, nada disso é feito de forma tão calculada, e, sim, por meio de uma inconsequência frenética, como seria voar em um caça em alta velocidade com a gravidade fazendo força contra.

 

Compartilhe este conteúdo: