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|Crítica| 'Todo Mundo Ama Jeanne' (2024) - Dir. Céline Devaux

|Crítica| 'Todo Mundo Ama Jeanne' (2024) - Dir. Céline Devaux

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Todo Mundo Ama Jeanne' / Imovision

 

Título Original: Tout le Monde Aime Jeanne (França)
Ano: 2024
Diretora: Céline Devaux
Elenco : Blanche Gardin, Laurent Lafitte, Marthe Keller, Nuno Lopes e Maxence Tual.
Duração: 95 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Céline Devaux usa recursos criativos para explorar os pensamentos intrusivos de sua protagonista em crise, mas o desânimo e a apatia gera desinteresse 

Enquanto Jeanne (Blanche Gardin) caminha confiante pelas ruas, vozes gritam em sua cabeça sempre a puxando para baixo. É bem possível que essa situação gere uma identificação em quase qualquer pessoa assistindo e, por isso, a sacada de inserir a animação para ilustrar como seriam esses fantasminhas que moram em nossas mentes, ou como os terapeutas gostam de chamar, nossos pensamentos intrusivos, é bastante interessante e simpática em sua intenção. A diretora Céline Devaux cujos trabalhos anteriores foram justamente na animação, parece ter trazido algo que já conhece muito bem para adentrar um novo campo, com uma história que é bastante parecida com um longa de 2005, “Tudo Acontece em Elizabethtown”. O capitalismo tão presente na obra de Cameron Crowe é substituído por uma luta contra esse sistema, Jeanne quer tentar ajudar o planeta removendo os plásticos dos oceanos, ao contrário do fútil tênis esquisito que Orlando Bloom projeta na comédia romântica dos anos 2000, mas outros detalhes são bem parecidos, a morte de um dos pais que leva a uma viagem à cidade em que cresceu e a uma jornada de reconciliação após a morte, o fracasso financeiro e de carreira, o encontro com pessoas do passado e com um novo romance, tudo flertando com questões de suicídio e o encontro de novas forças para viver. Mas, a protagonista bastante apática e calada de “Todo Mundo Ama Jeanne” depende muito do recurso da animação para criar qualquer conexão com o espectador e, quando esse apoio se torna desmedido, o filme perde o que podia o tornar interessante. 

Há uma grande necessidade de que Jeanne seja uma protagonista que gere empatia e crie algum vínculo com quem assiste para que o longa funcione, isso porque tudo gira em torno de seus fracassos e estado mental. Porém, o desânimo da mulher a torna mais uma pessoa vagando pelo filme durante quase duas horas, sendo atingida por problemas e interações, mas sempre muito fria. A atuação de Blanche Gardin beira o marasmo e é aí que seus fantasminhas da mente são o charme da personagem, entram de forma divertida, fazem comentários engraçados e que se relacionam com o que muitas pessoas passam na vida real. O recurso, porém, tem uma dosagem um tanto desequilibrada, em alguns momentos pelo exagero, que até poderia funcionar numa espiral de ansiedade que amontoa pensamentos intrusivos na cabeça de Jeanne, mas não dão espaço para a narrativa fluir ao mesmo tempo em que a protagonista não acompanha o ritmo da animação inserida por cima. É como se houvesse uma gritaria absurda em sua cabeça e ela continua lá parecendo uma folha em branco, desconfortável sempre, mas na mesma linha, quase como se esses pensamentos não fossem dela. Em outros momentos, talvez numa tentativa de Devaux de equilibrar a balança, o recurso desaparece por muitas cenas e é quase possível esquecer que ele existia, ou questionar se em algum momento irá retornar. Entre essa ausência de respiros e longas puxadas de ar, Jeanne permanece igual, e na ausência das animações, são os outros personagens que precisam sustentar algum carisma para o barco não afundar de vez.

É assim que Jean (Laurent Lafitte) se torna uma subversão do tropo narrativo “Manic Pixie Dream Girl”, um termo justamente criado por causa de “Elizabethtown”. A mulher jovem, espírito livre e excêntrica que serve de interesse romântico ao homem protagonista, vivida originalmente por Kirsten Dunst, se torna em “Todo Mundo Ama Jeanne” um homem com as mesmas características, exceto talvez pela juventude. Jean não trabalha, tem suas próprias éticas para furtar coisas em lojas, vive uma vida livre, despreocupada, tem um jeitão excêntrico e vai se enfiando na vida de Jeanne como um interesse romântico que ela a princípio rejeita, justamente pela estranheza do homem, mas que acaba sendo o que a empurra para a catarse. É claro que o filme de Céline Devaux não tem os mesmos charmes que sua possível inspiração, mas é muito interessante que a lógica seja alterada para um protagonismo feminino, só falta aqui muita vida e força para que essa intenção se transforme em algo significativo.


 

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