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|Crítica| 'Thor: Amor e Trovão' (2022) - Dir. Taika Waititi

|Crítica| 'Thor: Amor e Trovão' (2022) - Dir. Taika Waititi

Crítica por Victor Russo.

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'Thor: Amor e Trovão' / Walt Disney Brasil
 

 

 
Título Original: Thor: Love and Thunder (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Taika Waititi
Elenco : Chris Hemsworth, Christian Bale, Tessa Thompson, Russell Crowe e Natalie Portman.
Duração: 119 min.
Nota: 2,5/5,0

 

“Thor: Amor e Trovão” se atira inteiramente no “camp”, mas o usa mais como muleta do que com inocência, em um filme mais preocupado com sua mitologia do que com as consequências do universo

Já se tornou exaustivo de tão repetitivo falar que o Universo Marvel, ao longo de seus quase 15 anos, é marcado por uma fórmula que vende, mas que tira a assinatura dos cineastas dos filmes. Com isso, qualquer crítica sobre um filme do MCU parece uma busca incessante por achar alguns poucos elementos mais autorais (quando eles existem). Claro, isso quando os críticos levam a sério a sua função e não se resumem a apenas dizer que os filmes são bons porque são divertidos (esses profissionais, muitas vezes, desprezam tanto os filmes de heróis que acreditam que ser colorido e divertido é o papel desse gênero recente do cinema, o que está longe de ser verdade).

Porém, no caso de Taika Waititi, a assinatura do diretor e a fórmula narrativa e estilística que padroniza o MCU acabam se misturando e criando uma espécie de homogeneidade. Sim, é possível ver as escolhas criativas do cineasta, até com alguma liberdade, sobretudo em como trabalha o humor e o exagero, mas tal liberdade parece ser mais fruto da similaridade do cineasta com o MCU e seus filmes coloridos e divertidos do que uma permissão de Kevin Feige por obras mais autorais. Por isso, vale mais a pena observar “Thor: Amor e Trovão” no contexto do grande universo e seu estágio atual e o como esse estilo do diretor é introduzido nessa obra. 

Há, em termos narrativos, uma certa similaridade entre o quarto Thor e os dois filmes anteriores do estúdio para o cinema: “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” e “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”. Ao mesmo tempo, isso contrasta com as séries para o Disney+ ou outras obras pós-Ultimato (quando o universo começa a desandar), como “Eternos” e “Viúva Negra”.

As séries surgem como uma necessidade comercial de ter conteúdo novo com frequência para o MCU (para fazer o Disney+ parecer relevante na guerra dos streamings), sempre pensando em apresentar novos personagens de maneira genérica ou dar mais espaço para aqueles que já estavam escanteados  no universo (como Wanda, Visão, Loki, Bucky e Falcão). Em “Viúva Negra”, essas obras que são apenas desculpa para introduzir novos personagens (e inchar o universo enquanto a Marvel segura heróis e vilões mais relevantes para depois) é levado para outro nível, já que se usa da personagem-título, já morta no universo, só como uma desculpa ainda maior, ao passo que a única relevância do filme se volta para a apresentação das personagens secundárias.

Só que, apesar de o MCU atual parecer essa grande enrolação, como se Kevin Feige tivesse simplesmente aproveitando a onda de sucesso e os rios de dinheiro apenas para contar histórias genéricas sobre personagens secundários, enquanto X-Men, Quarteto Fantástico, Doutor Destino, Galactus e cia são guardados para quando o público se der conta de que estão sendo enganados com produtos comerciais sendo feitos sem qualquer acabamento, algo de positivo parece sair desse momento do universo e é refletido nos últimos três longas da Marvel para o cinema.

A não apresentação de um grupo de heróis ou grande vilão que permanecerá no universo por mais uma década torna essas obras atuais mais “independentes”. Então, enquanto as séries parecem preocupadas com o depois, sempre deixando uma teia de ponta soltas para mostrar que se trata de um universo interligado, esses três últimos longas estão muito mais interessados em algo que não víamos há tempos no MCU (desde muito antes de “Vingadores: Ultimato”): filmes realmente preocupados em contar uma história menor e fechada em si mesma.

Nesse sentido, talvez esse “menor” seja um problema, já que os longas continuam se vendendo como gigantes, de consequências inacreditáveis para o universo, mas, na prática, eles são bem pequenos mesmo (apesar do orçamento sugerir o contrário), não só em história, mas em escala.

Já o fato de serem fechados em si mesmos é quase um alívio para essa febre de filmes seriados que não acabam nunca e é até uma estratégia interessante da Marvel para não perder aquele público sem tempo e vontade de consumir 450 séries e filmes antes de assistir o novo longa em cartaz. “Thor 4” funciona dentro dessa lógica, ele não tem nenhuma pretensão de mudar o universo (exceção feita à cena pós-créditos), mas, sim, de contar essa história envolvendo Thor, Jane, Valquíria e Gorr. A clássica estrutura de filme de herói, com um vilão a ser derrotado, apesar de aqui a mocinha não precisar ser salva, muito pelo contrário.

Dessa forma, uma nova estrutura começa a surgir nesses novos longas de personagens já estabelecidos no MCU: o personagem-apoio-referência. Isso nasce com os dois spiders de outros universos, tem uma aparição tímida com os Illuminati e, agora, volta a ganhar força na figura de Jane Foster, ou Poderosa Thor. O que cria um sentimento ambíguo, já que, por um lado, temos uma Jane extremamente relevante e cheia de presença, mas, por outro, ela acaba sendo mais uma personagem feminina que só serve de escada para o herói homem. A Marvel definitivamente não consegue trabalhar muito bem suas heroínas.

Assim, dada essa nova estrutura da fórmula Marvel (que nem é tão diferente assim da antiga), “Thor 4” se usa dessa pequena liberdade narrativa para se jogar no “camp” (estilo que abraça o exagerado e até passeia pelo brega ou mau gosto). E é aqui que o filme parece entrar em mais um conflito, conseguindo encontrar seus melhores momentos a partir dessa unidade estilística, mas, ao mesmo tempo, usando-se dela de forma menos ingênua e mais preocupada com o comercial novamente.

Ou seja, várias das ótimas piadas, como uma autoparódia do próprio MCU, ao colocar deuses para sangrar tinta dourada, já que não pode ter sangue na Marvel por conta da classificação indicativa, uma cabeça falante (para não dar mais spoiler), piada com o excesso de exposição dos filmes do Nolan, a introdução de um momento Zack Snyder em preto e branco e cheio de câmera lenta ou mesmo as atuações mais despreocupadas com o realismo, como a caricatura de Christian Bale, surgem disso.

Entretanto, apesar de escolhas genuinamente engraçadas e interessantes, no fundo nada disso é tão inocente como o “camp” pede. Pelo contrário, trata-se de um excesso como muleta que vende. Quando tudo pode porque tudo é piada. Tudo bem colocar um personagem para narrar uma história, mudar a paleta de cores ou enfiar colorido em tudo, ironizar o Olimpo, aproveitar bodes e por aí vai. Tudo é piada mesmo, não é?

O problema é que tudo isso não só é uma desculpa para parar o filme a cada 10 segundos a fim de fazer uma piada (muitas delas funcionam, sobretudo as com a ótima Tessa Thompson), como é uma forma de mascarar o quão simplório é o roteiro do longa. Não só ele pouco tem eventos e substância, como acaba se traindo o tempo todo. 

Se por um lado zoa a exposição dos filmes do Nolan, por outro usa o mesmo recurso desse diretor ao colocar Jane como a novata que não sabe nada e tudo precisa ser explicado a ela. Se em determinado momento cria um problema pela bifrost parando de funcionar, no clímax os personagens viajam pelo espaço em velocidades inacreditáveis. Isso para não se aprofundar na mensagem extremamente piegas sobre o amor (filmado de forma ainda mais piegas por Taika) ou mesmo nas desculpas para o abandono dos Guardiões da Galáxia ou para Jane virar a Poderosa Thor, a motivação genérica do vilão (que o filme parece achar super profunda) e por aí vai. É como se mesmo na obra mais exagerada e que não se leva a sério, o MCU ainda precisa dos momentos melodramáticos e “profundos” para mostrar “o quão relevante é o universo”.

Dessa forma, “Thor: Amor e Trovão” deixa claro que mesmo quando um filme do MCU parece fechado em si mesmo e com um pouco mais de liberdade para o seu diretor, ele ainda segue extremamente afetado pela necessidade comercial e o contexto do universo em que está inserido.

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