|Crítica| 'Sing Sing' (2025) - Dir. Greg Kwedar
Crítica por Victor Russo.
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'Sing Sing' / Diamond Films
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Greg Kwedar segue à risca o “filme de Sundance” tanto na escolha de como movimentar a câmera, quanto, principalmente, no transformar cada diálogo em um evento pesaroso e esquemático
Há algum tempo, muito reforçado pelo identitarismo nas redes sociais, os filmes deixaram de ser o objeto de análise e todas as discussões se limitaram a discursos prontos, entre eles, a rejeição à obras que tenham cineastas fora do seu “lugar de fala”. Assim, filmes dirigidos por homens sobre questões femininas, por pessoas brancas sobre uma realidade vivida apenas por negros ou indígenas, ou mesmo de pessoas heterossexuais que retratam personagens LGBT+, automaticamente são descartados e atacados, independente do resultado em tela ser bom ou ruim. Curiosamente, Sing Sing não tem passado por esse tipo de repressão, ainda que, nesse caso, Greg Kwedar, um homem branco (informação que só descobri após assistir ao longa, mas que já transpirava em tela e por isso da minha pesquisa imediata), claramente não sente na pele as discussões que está propondo. Assim, coloca-se na posição do “artista que se importa muito”, bem comum em festivais de cinema independente nos Estados Unidos, como Sundance e Tribeca, e faz questão de transformar cada linha de diálogo em um grande pesar, em atuações hiperdramatizadas na forma de falar, olhar e, principalmente, manter silêncios entre uma palavra e outra, o que só funciona um tanto pela potência do elenco, de Colman Domingo e Paul Raci àqueles que vivem versões deles mesmos, com destaque para Clarence Maclin.
Ainda em seu segundo trabalho, Kwedar (assim como Clint Bentley, que assina o roteiro junto ao diretor) acumula vícios desse cinema de festival americano independente sem propor muita coisa nova. São os travellings lentos em planos mais abertos, a câmera na mão em momentos mais tensos ou agitados e a iluminação natural (ou que simula o natural) com a textura da película 16mm que compõem uma cinematografia de Patrick Scola tão curiosa quanto ineficiente em sentido e sentimento dentro da proposta (ou falta dela) de Kwedar. Tudo soa como um diretor que está acostumado com esses filmes e que tenta replicar todo o estilo para parecer mais “artístico”. Não que seja uma obra totalmente distante e artificial, o discurso mais evidente (e muito menos profundo do que o filme acredita) da valorização da arte para salvar pessoas em situações de desamparo e dificuldade funciona bem no não dito, sobretudo ao não citar textualmente o fato daqueles personagens e pessoas reais serem negros e latinos, deixando se apresentar em tela essa complexidade, ou mesmo, e sobretudo, quando o longa cria essa metalinguagem, colocando-os para atuar nas peças teatrais que se referem ao grupo real que eles compuseram. É quando o filme ganha vida, nos palcos filmados e na entrega do elenco, com discurso e mise-en-scéne virando uma coisa só. É a defesa da fantasia que afasta as pessoas da realidade, a permissão do sonhar e viver outras vidas sem questionar a lógica ou o real. Kwedar entende muito mais dessa composição metalinguística, que levanta o filme e ressignifica os atores que já interpretavam uma versão cinematográfica deles mesmos.
O problema é que isso não domina o longa, Kwedar sempre volta a sua atenção para os diálogos sofridos e expositivos, para essa necessidade de comunicar de uma forma mais esquemática, seguindo uma espécie de cartilha. O tom muda, tudo precisa ser pesaroso, como se a fantasia não bastasse, precisando sempre desse choque de realidade, esse grito nada sutil para a representação daqueles homens. Mesmo os momentos mais poderosos, com uma morte completamente inesperada após a conversa mais expressiva do longa, são um tanto diminuídos frente a essa necessidade por um suposto real, que quase sempre é assimilado por uma distanciamento emocional seguido de frases de efeito quase declamadas, transformando a realidade em algo claramente encenado. A citação a August Wilson no longa é quase simbólica, já que, no fim, por mais que o filme tenha a liberdade em sua adaptação, em muito ele se assemelha aos fracos longas baseados em obras do dramaturgo (Um Limite Entre Nós, A Voz Suprema dos Blues e Piano de Família), que não conseguem propor cinematograficamente uma encenação que se desvincule de uma estrutura mais teatral, o que passa muito pelo roteiro de Kwedar e Bentley.