|Crítica| 'Setembro 5' (2025) - Dir. Tim Fehlbaum
Crítica por Victor Russo.
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'Setembro 5' / Paramount Pictures
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Tim Fehlbaum a todo instante faz questão de nos lembra que não se trata de um thriller sobre jornalismo lançado em um timing ruim, mas que o tempo histórico é parte planejada para a execução da obra
Nunca podemos olhar para um filme sem entender o contexto histórico que ele está inserido. Isso não vale apenas para obras antigas, com escolhas de linguagem ou temas e personagens que hoje parecem ultrapassados. Se Setembro 5, exatamente da forma como foi concebido tivesse sido lançado cinco anos atrás ou daqui cinco anos (essa previsão é mais difícil de cravar) seria um outro filme, não só muito mais palatável, como, principalmente, ganharia um novo sentido. Só que não se trata exatamente de um erro de cálculo, de um timing ruim para falar sobre o caso de 1972 nas olimpíadas de Munique por conta do massacre de palestinos que está acontecendo há mais de um ano pelas forças israelenses a comando do governo Benjamin Netanyahu. É um longa que é pensado e só poderia existir em sua completude neste momento (ou no ano passado, quando ele era colocado em prática no set de filmagem), Tim Fehlbaum não é um azarado, é um consciente de que seu discurso supostamente inocente, em prol do jornalismo. Na verdade, ganha um sentido muito mais amplo e macabro (ainda que não na visão do diretor).
É quase como se existissem dois filmes em um. Um primeiro que deve atrair muita gente e que é realmente muito bem executado, sustentado por uma fotografia que capta aqueles espaços opressivos, a capacidade de divulgar informações para o mundo todo a partir de um pequeno estúdio improvisado em um país que a maioria dos personagens nem fala a língua, e por uma montagem que dá velocidade e caos a essas escolhas, quase como se víssemos um ao vivo do fazer jornalismo, ainda que o truque está na supressão de eventos e de tempos para fazer com que horas passem e nem percebemos cada elipse. Cria-se um jogo que muito condiz com o fazer televisão, apresentado logo de início, os cortes constantes entre muitas câmeras, para captar vários ângulos e histórias, gerando um dinamismo de tantas perspectivas sem que realmente percebamos como a decupagem ao vivo dessas imagens nos influencia. Mais do que isso, praticamente abstraímos esses cortes e o quanto poucos segundos de um atleta alemão desolado pela derrota pode dizer. Fehlbaum muito bem se usa inclusive dessa lógica do fazer jornalismo esportivo em um evento de grande porte, e as incessantes escolhas de feeling e manipulação imperceptível, para jogar esses personagens em um caso extremamente político, que pede decisões rápidas e um senso ético, algo que, para o bem ou para o mal, mesmo tão distante da área deles, aqueles personagens seriam capazes de executar para manter a audiência engajada e contar uma história.
O problema é que o segundo filme pica o primeiro, o interrompe o tempo todo e no fim, é um interesse muito maior. Em teoria, Setembro 5 seria um ótimo complemento para Munique, ao contar o mesmo caso por uma outra perspectiva, não mais dos envolvidos no acontecimento, mas daqueles que o relataram para o mundo. A diferença é que Steven Spielberg tratava o seu thriller com sobriedade e maturidade, enquanto Fehlbaum parece mais interessado em cuspir discursinhos a cada cinco minutos, uma imposição do roteiro (feito à três mãos, sendo dois roteiristas bastante inexperientes e o próprio diretor) que o cineasta acata todo o tempo. O filme para então para debater como os palestinos deveriam ser chamados e, em seguida, faz questão de repetir a palavra “terroristas” várias vezes, o que vai preencher posteriormente o longa integralmente. Insere na Marianne de Leonie Benesch uma série de questionamentos de efeito puramente temático, o peso daquele evento em uma Alemanha voltando a ser evidência, mesmo quase 30 anos depois do holocausto, e o fato dela ser uma mulher. As reflexões que poderiam ser válidas são simplificadas em diálogos e situações vergonhosas, como um homem pedindo para ela buscar um cafézinho, outros desmerecendo a negociadora do sequestro e Marianne precisando discursar sobre como a estavam subestimando, ou mesmo com ela sendo questionada como sendo possivelmente nazista, apenas por ser alemã, e sendo obrigada a dizer “eu não sou como os meus pais”.
Pior do que essas escolhas espaçadas em si, essa necessidade de pontuar discursos em diálogos vexatórios, que, é verdade, marcam um pequeno fragmento do longa, estão escolhas mais conscientes e que podem passar despercebidas. Se o único arábe em questão, também usado apenas como escada temática, faz questão de dizer que “nem todos os arábes são assim” e a mãe dele é argelina, assim como libaneses e egípcios se dizem horrorizados com a situação, ao mesmo tempo que o holocausto é repetido a todo instante e associado ao acontecimento, além de Fehlbaum filmar os rostos dos assassinados como um pesar de pessoas inocentes corrompidas por seres macabros ao final, o que o longa deixa claro, ainda que tentando esconder, é uma associação entre os palestinos e os nazistas, uma ideia bastante sionista dos judeus israelenses como seres historicamente oprimidos por forças malignas. Fazer isso hoje, em pleno conflito que marca um genocídio, agora por parte dos israelenses, não só traz uma visão de isentar as ações do governo Netanyahu, mas principalmente é um Fehlbaum claramente tentando vitimizar os israelenses e demonizar aqueles palestinos sem rostos. Infelizmente para o longa, esse segundo filme, ainda que em pequenas passagens, cresce frente ao primeiro.