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|Crítica| 'Segredos de um Escândalo' (2024) - Dir. Todd Haynes

|Crítica| 'Segredos de um Escândalo' (2024) - Dir. Todd Haynes

Crítica por Victor Russo.

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'May December' / Todd Haynes

 

Título Original: May December (EUA)
Ano: 2024
Diretor: Todd Haynes
Elenco : Julianne Moore, Natalie Portman, Charles Melton, Elizabeth Yu, Andrea Frankle e Cory Michael Smith.
Duração: 113 min.
Nota: 4,0/5,0

 

Todd Haynes mira no melodrama de Douglas Sirk e no voyeurismo de Alfred Hitchcock para construir a sua versão ultra maneirista de “Persona”

Gracie (Julianne Moore) abre a geladeira, fica parada olhando para dentro, o tempo para, a câmera se aproxima em zoom até bem próximo da personagem, antes dela falar “acho que precisamos de mais cachorro-quente”. Esse momento no início de “May December” não poderia dar mais o tom da obra. O exagero toma conta da tela a fim de criar um jogo de observações, ainda que esse ridículo seja muito menos inocente e claro do que parece à primeira vista.

É bem verdade que Haynes construiu boa parte de sua carreira criando relações com filmes clássicos. Sua paixão pelo melodrama dos anos 1940 e 50 nunca foi segredo para ninguém, a ponto de fazer remakes de “Tudo Que o Céu Permite”, em “Longe do Paraíso”, e “Mildread Pierce”, minissérie que refaz o filme de mesmo nome. Apesar desse olhar para o passado a fim de moldá-lo ao presente e a sua visão, afirmar que Haynes é um autor maneirista (diretores que sentem o peso do passado e o refazem exagerando na forma) é algo a se discutir. Isso até “May December”, uma obra definitivamente maneirista (ou neo maneirista, se isso realmente existir).

Elizabeth (Natalie Portman), uma atriz que decide fazer um filme sobre a história bizarra de Gracie (que começou a namorar um garoto de 13 anos, foi presa por pedofilia e agora está casada com esse mesmo garoto agora adulto), passa a observar esta a fim de interpretá-la. Só que, aos poucos, Elizabeth vai se tornando cada vez mais Gracie, até que se torna difícil diferenciá-las. Qualquer relação com “Persona”, de Ingmar Bergman, não é de forma alguma mera coincidência. Entretanto, se as cores e o exagero do filme remete a Sirk (em quem Haynes se inspira durante toda a carreira), esse jogo voyeur de observador e observado é Hitchcock purinho. Ainda mais quando o filme vai abrindo a possível interpretação de que Gracie não é apenas alguém inocente com sérios problemas psicológicos, mas pode agir de caso pensado a fim de sair impune de diversas situações. A observada, então, assim como Madeleine/Judy (“Um Corpo Que Cai”), não é apenas um objeto voyeur, e, sim, alguém que sabe que está sendo olhada e se usa de tal situação.

Só que até aqui pode soar como uma mera homenagem de Haynes ao cinema que o precedeu. Voltamos então à cena que utilizei no segundo parágrafo que representa o longa como um todo. A premissa em si de uma mulher se apaixonando por um garoto de não 17 ou 18 anos, mas de 13, já é absurda o suficiente. Esse é o caminho que Haynes tenta traçar com seus zoom que revelam a presença da câmera, sua trilha sonora estridente e as atuações nada sutis, com destaque óbvio para a dupla principal (perceba como Gracie fala, a língua presa e uma sensação de que está sendo sufocada. Isso é melodrama, isso é maneirismo).

Haynes talvez não recorra ao maneirismo da mesma forma que os autores dos anos 1970 e 80. Se lá o peso da história levou Brian De Palma e companhia a abraçar o exagero para com o passado porque tudo já tinha sido feito (na visão deles), Haynes olha para esse mesmo passado como inspiração, mas se usa do maneirismo como uma resposta para o momento atual. Em um cinema, sobretudo hollywoodiano, dominado pela obsessão com o realismo (ou com o que soa realista), as cores e o tesão parecem ter abandonado as telas. “May December” se transforma então em resistência, explodindo com uma sexualidade animalesca, com o artifício cinematográfico que se mostra sem pudor e com uma extravagância estética que deixaria todos os maneiristas felizes da vida. É o melodrama em sua essência, um dos gêneros mais cinematográficos e belos, que infelizmente tem sido ignorado ou usado apenas como artifício dramático. Não se depender de Todd Haynes, por mais diretores como ele, por favor.

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