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|Crítica| 'Samsara' (2023) - Dir. Lois Patiño

|Crítica| 'Samsara' (2023) - Dir. Lois Patiño

Crítica por Victor Russo.

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'Samsara' / Belas Artes À La Carte

 

Título Original: Samsara (Espanha)
Ano: 2023
Diretor: Lois Patiño
Elenco : Amid Keomany, Toumor Xiong, Simone Milavanh e Miriam Vuaa Mtego.
Duração: 117 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Enquanto escancara e exalta o seu dispositivo narrativo, Lois Patiño convida o espectador a participar, sem nunca realmente tirá-lo da sua posição passiva

Não deixa de ser curioso ver “Samsara” e “Na Água”, de Hong Sang-Soo, participando da mesma Mostra “Encontros” do Festival de Berlim 2023. Claro que, em grande parte, tal competição, a segunda mais relevante do festival, se é que podemos dizer isso, tem como propósito destacar novos olhares, técnicas, perspectivas e ambições cinematográficas. Ainda assim, ver esses dois filmes juntos é bastante chamativo, talvez mais até pelas escolhas de Sang-Soo do que de Patiño, já que o espanhol há anos está nesse espectro mais experimental do do cinema, enquanto o sul-coreano sempre teve sua grande força em uma certa simplicidade. O que chama atenção então nessas duas obras é justamente como os cineastas lidam diretamente com essa exposição do dispositivo cinematográfico, não só sugerindo a presença de um diretor manipulando a construção fílmica, mas, sobretudo, chamando atenção para escolhas técnicas que rompem os padrões mais estabelecidos do cinema. 

Sang-Soo então nos tira o direito de ver com clareza, ainda que mantenha uma certa simplicidade nesse desfoque unificador, a fim de encontrar uma singeleza nessas pessoas se misturando aos espaços. Já Patiño vai em uma direção ainda mais radical, construindo todo o filme para um momento específico, em que pede ao público para fazer o que há de mais inesperado ao se assistir a um filme: fechar os olhos. Menos sutil do que o sul-coreano, o espanhol cria uma espécie de exaltação provocativa no uso do seu dispositivo, ele não só transgride a ideia de uma essência cinematográfica, como faz questão de destacar o seu feito. Claro que nada aqui é vazio, se alguns chamarão de exibicionismo, até esses terão dificuldade de rechaçar o caráter narrativo da empreitada. Com os olhos fechados, Patiño não nos tira totalmente o potencial da imagem, menos ainda do som. As pálpebras cerradas ainda permitem que esse show de cores e luzes transpassem essa barreira a fim de criar esse estado de relaxamento imersivo, reforçado por sons que se modificam entre animais e uma concordância com a natureza para criar essa jornada mística, uma espécie de rito de passagem e transformação.

Ao fazer o filme girar em torno de tal escolha, Patiño vai na essência do espectador cinematográfico e no cerne do cinema em si. Essa arte que exige uma certa passividade de quem assiste, que mesmo quando é convidado a participar do filme e se envolver com ele, ainda lhe é tirado o direito de decisão/manipulação narrativa. O espanhol vai então quase no limiar dessa característica definidora, já que, por um lado, não permite ao público alterar o andamento daquela história, nada tem dos jogos ou dos filmes-interativos (que no fundo são sempre mais game do que filme), enquanto, por outro, obriga esse espectador a criar em sua mente esse rito de passagem único e pessoal. Assim, ainda há essa sensação de impotência, a partir do momento em que nada que o público faça alterará o resultado em tela, só que, como experiência pessoal, ao espectador é permitido a criação de um filme novo, que nunca será igual de uma pessoa para a outra. É, sem dúvidas, um dos lugares mais interessantes que o cinema já chegou a conflitar a passividade natural a uma permissibilidade narrativa a quem não a detém realmente. Ou pelo menos isso de uma forma mais direta e intencional, pois podemos sempre entender que cada um terá uma percepção diferente para com cada obra.

Porém, se muito olhei até aqui para aqueles dez minutos ou mais que diferenciam “Samsara”, é justamente porque o que vem antes e depois desse show de luzes e sons em nenhum momento adquirem o mesmo interesse, não só do espectador, mas do próprio cineasta. Claro que em Laos ele constrói essa mitologia, se aprofunda no budismo daquele país específico e se usa da imagem para reforçar o caráter mais místico do lugar e de todos os seres que ali habitam, quase sempre usando o contraste entre os monges de laranja e o esverdeado de rios e florestas que parecem uma pintura. Ao mesmo tempo, na parte final, ao sermos deslocados pelo globo para a Tanzânia, nos é dada uma nova perspectiva, menos mística, mais direta, desses diferentes animais, seres com alma, assim como os humanos, recebendo os mais diferentes tipos de tratamento. Ainda assim, o filme vai se entregando, perdendo a força e se tornando quase protocolar, diminuído por não ser mais aquele momento-clímax e não ter mais o dispositivo cinematográfico em evidência, tornando-se assim, convencional, sobretudo em seus minutos finais.

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