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|Crítica| 'Ruído Branco' (2022) - Dir. Noah Baumbach

|Crítica| 'Ruído Branco' (2022) - Dir. Noah Baumbach

Crítica por Victor Russo.

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'Ruído Branco' / Netflix

 

Título Original: White Noise (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Noah Baumbach
Elenco : Adam Driver, Greta Gerwig, Don Cheadle, Raffey Cassidy, Jodie Turner-Smith e Andre 3000.
Duração: 135 min.
Nota: 2,0/5,0
 

Noah Baumbach se arrisca em um filme que flerta com David Cronenberg, mas nunca abandona a verborragia pseudo profunda típica do diretor

Vindo do seu melhor filme da carreira, “História de um Casamento”, era esperado que o novo longa de Baumbach com a Netflix despertasse interesse. Para isso, o cineasta decidiu se arriscar na missão de adaptar “Ruído Branco”, livro de Don DeLillo que tinha aquela aura de “inadaptável”. Se no papel já soava como o cineasta abandonando a sua zona de conforto, na prática vemos algo semelhante, mas só até certo ponto. 

Baumbach sai do seu típico filme sobre uma elite intelectual e artística atual em crise, ainda que o protagonista (Adam Driver) seja um professor especialista em Hitler, e viaja para um período de Guerra Fria, centrando sua narrativa em uma família confusa de pais separados que vivem juntos e criam os seus quatro filhos. A premissa absurda e curiosa é gatilho para um filme que flerta com a sátira, as relações familiares e pessoais, o impacto da política na vida do cidadão, a comédia oitentista, o filme de catástrofe, uma narrativa absurda que se aproxima do surrealismo, entre muitas outras coisas.

Acompanhamos, então, Jack Gladney (Driver) em sua busca por respostas que só geram mais perguntas absurdas e o jogam para uma espécie de submundo estranho, o que lembra alguns longas de Cronenberg (que já tinha adaptado "Cosmópolis" para o cinema, também de DeLillo) e, em alguma medida, de David Lynch. Porém, sem nunca deixar de lado um viés mais cômico, que nos lembra que o longa é uma sátira, e as cenas repletas de intermináveis diálogos, uma assinatura do cinema de Baumbach.

Para isso, o cineasta conduz a narrativa por meio do caos e do rompimento repentino, tanto em sua mise en scene quanto na condução da história e as respostas para as infinitas perguntas em aberto. Com isso, ele amplifica a energia de sua mise en scène tradicional, tornando as cenas quase desesperadoras, seja pela montagem cheia de cortes, por planos longos de personagens se movimentando sem parar e com a câmera quase se perdendo entre todos eles ou pelos diálogos incessantes.

Ao mesmo tempo, Baumbach atira para todos os lados possíveis, abrindo temas como as colisões que iniciam o filme, a nuvem química que toma conta de boa parte da primeira hora e faz alusão à Guerra Fria, o supermercado como esse elemento central para a sua crítica ao capitalismo (com direito a uma linha de diálogo dizendo que eles só estariam realmente perdidos se aquele lugar fechasse), a indústria farmacêutica, a morte, a família, entre muitas outras coisas. Mas, tudo que ele abre não se sustenta por muito mais do que alguns minutos, tanto em temas quanto em gêneros. Se ele começa a retratar as crianças como únicos seres pensantes naquela família, algo típico dos filmes dos anos 80, isso rapidamente se perde e os filhos somem do filme. Se a viagem vira quase um “Férias Frustradas”, isso logo se dissipa. Se o filme catástrofe se anuncia, a catástrofe rapidamente se resolve sem nem deixar marcas.

É bem verdade que tal proposta tem menos a ver com uma falha de desenvolvimento de Baumbach e mais com a essência do filme. “Ruído Branco” se constrói sob essa lógica de um caos volátil, rejeitando a resolução em prol de um abandono consciente, o que se aproxima diretamente com as diversas filosofadas do filme sobre a morte. É um filme que está matando tudo que cria o tempo todo sem nem destacar cada um desses “assassinatos”.

O problema é que o caos proposto por Baumbach vira apenas uma muleta, enquanto a narrativa se contradiz o tempo todo, tanto em forma quanto em conteúdo. Se o filme abre com uma aula sobre colisões nos filmes hollywoodianos que termina defendendo a fantasia mais ingênua que o cinema é capaz de criar, e até vemos isso em algumas passagens, como a do carro no rio ou a trama mais surrealista até certo ponto, a narrativa faz questão de adotar uma visão bem diferente em cada uma das suas cenas cheias de diálogos, rejeitando a inocência do cinema e deslocando sua atenção para os personagens falando seriamente sobre o que pensam. O que, na prática, é só o diretor colocando na boca dos personagens aquilo que acha relevante e profundo sobre o mundo, em uma ânsia infinita de discursar sobre tudo e mais um pouco, mesmo quando pouco tem a dizer de realmente relevante. Um existencialismo para lá de vazio.

Mais do que isso, ao criar essa constante contradição, o cineasta impede a obra de se revelar. É como se o filme tentasse andar dessa maneira meio desordenada que Baumbach propõe, mas o próprio diretor impedisse todos esses avanços com a sua necessidade de inserir sempre algumas reflexões filosóficas que só soam profundas, mas são para lá de genéricas (um problema bem crônico de toda a sua filmografia). Parece que o longa se desenha para essa fantasia inconsequente, sem regras, que atira para todos os lados sem uma necessidade de resolver nada, privilegiando as sensações dessa viagem maluca em detrimento de uma discussão mais explícita sobre o mundo e o ser humano. Mas, mesmo  em seu longa mais ousado, o diretor ainda sabotasse o próprio filme ao contradizer tudo isso na necessidade de discursar a partir da sua ótica bastante limitada de mundo. É um filme que ameaça se jogar, mas sempre retorna ao lugar comum do cinema de Baumbach. Sobram boas passagens e risadas em um mar de discurso pseudo intelectual. 

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