|Crítica| 'Renfield: Dando Sangue Pelo Chefe' (2023) - Dir. Chris McKay
Crítica por Victor Russo.
'Renfield: Dando Sangue Pelo Chefe' / Universal Pictures
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Hollywood segue fetichizando o trash, enquanto Nicolas Cage abraçou mesmo ser a piada de si mesmo
Poucas frases são tão precisas quanto “não há nada que já não tenha sido feito”. No cinema, ela deve funcionar em 99,9% dos casos, o que não impede o surgimento de diversos ótimos filmes com abordagens interessantes para premissas, histórias, estruturas, formatos etc bastante recorrentes. No caso de longas que se originam de grandes obras da literatura, tal lógica é ainda mais presente. Filmes de Drácula, Frankenstein e afins estão sendo feitos aos montes desde as primeiras décadas do cinema, sendo, inclusive, uma das maiores fontes de renda da Universal nos anos 1930, desde obras solo até crossovers entre esses monstros. Então, mais de 100 anos após o primeiro filme do vampiro mais temido e conhecido, é óbvio que não há qualquer novidade de eventos e personagens, ainda mais quando a decisão é partir dos mesmos conceitos e história de Bram Stoker. Dessa forma, Chris Mckay recorre à sátira e modernização de símbolos clássicos, transpondo aqueles personagens para os dias atuais, o que poderia render bons frutos. Não é o caso, já que a ideia de renovação é sufocada por uma abordagem segura e recorrente na Hollywood, a fetichização do filme trash.
Falei recentemente na crítica de “O Urso do Pó Branco” sobre como Hollywood cada vez mais se apropria de conceitos do cinema trash de uma forma quase ilegítima, subvertendo a naturalidade desses filmes, quase sempre de baixo orçamento, para uma lógica mercadológica. Claro que isso não é uma regra, o recente “Evil Dead: Ascensão” faz um bom uso desses elementos exagerados sem nunca soar forçado. Mas casos assim são minoria. Os estúdios perceberam que o gore tem seu grande nicho, quase uma reação para a onda de filmes PG-13 (No Brasil, classificação Indicativa 12 anos) que dominam o mercado. Nesse sentido, sobram exemplos então de longas comerciais que se escondem sob a capa do “não me levo a sério” para misturar o sangue e as mortes exagerados como piada. O que esse público não percebe é que isso nada tem de transgressivo, muito pelo contrário, esses elementos simplesmente estão sendo misturados à lógica dominante do filme engraçadinho, muitas vezes autoconsciente. Mais uma vez, há casos em que isso até funciona, como na série “Peacemaker” ou no “Esquadrão Suicida” mais recente. Mas essas são apenas mais exceções a uma regra. O combo “não se levar a sério” por meio de piadinhas bobas e muito sangue é quase sempre um mero fetiche comercial. No caso de “Renfield” há ainda um agravante: Nicolas Cage.
Não é novidade para ninguém que o ator, após explodir nos anos 1990 e vencer o Oscar, perdeu tudo, começou a aceitar papéis de qualidade para lá de duvidosa em filmes de orçamento modesto, virou piada na internet pelas atuações bizarras, abraçou a piada e aceitou se transformar em um meme de si mesmo, dando a volta na zoação e virando uma espécie de figura amada por todos. Com isso, deu um novo rumo para a sua carreira, mesclando obras mais independentes e autorais, como “Pig”, “Mandy” e “A Cor Que Caiu do Espaço” (ainda que eu só goste do primeiro), com filmes que usam da sua figura apenas como meme, com exemplo mais simbólico sendo “O Peso do Talento”, em que ele interpreta uma versão exagerada de si mesmo. Nesse sentido, “Renfield” entra na segunda opção, com o ator vivendo um drácula pretensamente cômico e ridículo (o que é reforçado pela maquiagem), no modo “full cage”.
E por mais que Cage seja um cara divertido e difícil de não gostar, é claro que os estúdios usariam dessa nova imagem de forma extremamente comercial. O ator-meme é a opção perfeita para o filme que “não se leva a sério”. Vindo das animações Lego, em que esse tom de humor serve como a base para referências engraçadinhas, Mckay parte de uma possível originalidade (transformar Renfield em um protagonista que sente o peso de servir o Drácula por tantos séculos e quer se livrar desse relacionamento abusivo para viver sua própria vida). Se a premissa pode soar interessante como possível renovação, na prática, o cineasta não tem a habilidade de Mel Brooks e afins, e dá a abordagem mais genérica possível.
O longa então mira em tudo que é possível: gore, Awkwafina como alívio cômico sendo quase ela mesma, discussões atuais como o relacionamento abusivo de forma rasa apenas como comédia para soar descolado e atual, cenas de ação com poucos cortes (talvez o que melhor funcione no longa), romance, comédia, terror, filme de máfia. É um bolo de todos os gêneros e estilos possíveis, mas sem dar substância a nenhum deles, já que no final, o único objetivo do longa parecer descoladinho e despretensioso, essa nova carcaça do escapismo que surge como autodefesa para qualquer tipo de crítica. Já que para tudo a resposta será “mas o filme não se leva a sério”. No fim, é tudo fetiche comercial de mais uma obra de estúdio que quer soar diferente sem propor nada de interessante.