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|Crítica| 'Reflexão' (2023) - Dir. Valentyn Vasyanovych

|Crítica| 'Reflexão' (2023) - Dir. Valentyn Vasyanovych

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Reflexão' / Imovision

 

Título Original: Reflection (Ucrânia)
Ano: 2023
Diretor: Valentyn Vasyanovych
Elenco : Roman Lutskyi, Andrii Rymaruk, Nika Myslytska, Nadiia Levchenko e Ihor Shulha.
Duração: 125 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Com direção bastante controlada, Valentyn Vasyanovych cria na profundidade de campo um retrato distante dos traumas de uma guerra observada pela janela da impotência

A Guerra Russo-Ucraniana não poderia ser um tema mais atual, mas em “Reflexão” observamos o ano de 2014, primeiro ano do conflito, após Putin anexar a Crimeia. O ponto de vista é Ucraniano, mas pela forma como Vasyanovych filma seu longa - e é ele também quem assina o roteiro, montagem e direção de fotografia - é como se o espectador assistisse a tudo por uma janela, que mantém uma boa distância, o que passa uma sensação de que aquela guerra é um fato afastado de nós, mas muito presente no cotidiano das pessoas ali retratadas. Os planos são longos e quase sempre estáticos, talvez até dê para contar a quantidade de planos que existem no filme, como blocos que se unem para formar a narrativa de forma bastante densa. Não há aproximação dos personagens, exceto por um momento específico no final, ao longo de duas horas vemos aquelas pessoas quase sempre de corpo inteiro, sem conseguir definir exatamente os traços que formam seus rostos, ou chegar mais perto de suas expressões faciais. É uma direção bastante controlada, com uma proposta estética bem marcada. Vasyanovych centraliza e para sua câmera enquanto a encenação ocorre no espaço determinado, com diversos detalhes que tornam sua visão sofisticada, mas que acabam um tanto cansativos ao longo do tempo. É bastante difícil trabalhar algo que requer humanidade, como traumas, dramas familiares e cicatrizes de guerra, quando não há proximidade física dos personagens. Portanto, o pesar dessa trama bastante dura acaba se perdendo no longo caminho que nossos olhos percorrem até encontrarem algum sentimento ou conexão, não tornando o filme menos tecnicamente interessante e bem trabalhado, mas faltando o elemento que evoca essa humanidade que os temas buscam debater. 

O trabalho do diretor Ucraniano dá margem para muitos comentários que vão de encontro com suas técnicas. O que chama mais a atenção de qualquer espectador aqui é a fotografia do filme, que trabalha na profundidade seu conteúdo. É possível perceber ao menos três camadas em seus planos, uma mais próxima de nós, outra no meio, e o que fica ao fundo, bastante longe. Entre esses diferentes níveis de distanciamento, os personagens circulam enquanto a câmera se mantém parada, sem mudanças nos planos e sem cortes, criando cenas longas que se unem. A exceção fica nos poucos momentos em que Serhiy (Roman Lutskyi) corre ou caminha e a câmera o acompanha, criando uma movimentação pouco vista no filme. Durante o começo da obra, antes de Serhiy ir para a guerra, a profundidade de campo trabalha no fundo quase sempre janelas ou barreiras de vidro, muitas vezes pontuando um mundo que vive em uma rotina de guerra e violência, mas também horizontes possíveis com personagens separados deles por um bloqueio transparente. Essas barreiras existem também para o espectador, já que com essa divisão na distância, parece que sempre estamos os observando por uma janela, que dá a segurança a quem assiste de que aquela guerra não pode o atingir e que marca o quão longe aquela realidade está de nós. Após a ida do cirurgião para os conflitos, o horizonte se transforma em concreto e prisão, sem perspectiva do que há além. Os tiros que vem ao longe quebram o vidro que divide esse campo distante do personagem, o transportando para um lugar de tortura em que muitas vezes a peça mais ao longe é ele mesmo, imerso numa escuridão.

Vasyanovych faz um trabalho visual muito bom para desenhar seus significados, mas mesmo nas cenas de mais dor, não podemos sentir tanto o que é retratado por conta do afastamento, ficando um entendimento do pesar daqueles horrores, mas faltando uma conexão maior com a humanidade dos personagens. Mesmo que a tortura pelos Russos seja o grande conflito do longa, que leva à morte do padrasto da filha de Serhiy, “Reflexão” não fica batento fortemente numa vilania, estabelece seu ponto sem precisar criar uma caricatura de seus inimigos, deixando a densidade de tudo que é exibido transmitir os horrores de uma guerra sem maiores apelações. E mesmo que seja difícil encontrar a humanidade aqui, existem momentos bastante bonitos na reflexão que filha e pai fazem após a morte de um pássaro, esmagado por uma barreira de vidro, mais uma vez, causando conversas mais profundas sobre a morte e religião. É que mesmo que “Reflexão” só nos mostre os rostos dessa família mais de perto em um exercício no final, e falte uma emoção que parece fundamental para colaborar com tudo que é proposto, há em alguns momentos uma profundidade no conteúdo que acompanha a visual, de campo dos planos, os tornando bastante ricos em significado. 

A janela que nos separa do filme, nos protege como espectadores mas também revela nossa impotência perante a guerra, qualquer que seja. O diretor busca aquela lógica antiga do cinema, do espectador passivo, e a eleva ainda mais para criar sua linguagem. Ainda que nosso olhar se canse de todo esse afastamento e o encontro emocional se torne dificultoso e cansativo após muito tempo observando tão de longe o sofrimento dessas pessoas, é inegável o trabalho bastante cuidadoso de Vasyanovych, que certamente é efetivo nas significâncias que buscava. 



 

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