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|Crítica| 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre' (2022) - Dir. Ryan Coogler

|Crítica| 'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre' (2022) - Dir. Ryan Coogler

Crítica por Victor Russo.

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'Pantera Negra: Wakanda Para Sempre' / Marvel Studios

 

Título Original: Black Panther: Wakanda Forever (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Ryan Coogler
Elenco : Letitia Wright, Lupita Nyong'o, Angela Bassett, Danai Gurira, Winston Duke e Tenoch Huerta.
Duração: 162 min.
Nota:3,0/5,0

 

“Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” traz o embate entre fantasia e racionalidade para primeiro plano, no primeiro longa do MCU realmente interessado no protagonismo feminino

Apesar de ter como maior força à primeira vista uma homenagem ao Chadwick Boseman, eternizando-o como ator e personagem ao mesmo tempo já nos primeiros segundos de projeção, “Pantera Negra 2” é na verdade uma busca silenciosa de Ryan Coogler e Kevin Feige por tentar corrigir o rumo do MCU de elementos que já estavam impregnando o seu desenvolvimento desde o início e depois com o passar dos filmes: a obsessão pela racionalidade e o protagonismo feminino como desculpa comercial.

Apesar de temporalmente contemporâneos, a trilogia do Batman, dirigida por Christopher Nolan, e o Universo Marvel são sempre tratados com uma certa distância, como se fossem lógicas completamente diferentes de tratar os super-heróis que vêm dos quadrinhos. Mas não são. Apesar de se revestir em uma lógica Disney de funcionar para toda a família, sobretudo com piadinhas, no fundo, o MCU, desde o princípio, escorou-se na mesma proposta da trilogia do Nolan: realismo e racionalidade. 

Por mais que tal lógica já viesse se desenhando há alguns anos, foi principalmente em 2008 o momento de ruptura entre a fantasia e a realidade no blockbuster contemporâneo, o que vai além apenas dos filmes de herói, mas está intrinsecamente ligado a eles. O brega de discursos motivacionais cheios de frases de efeitos, atuações mais expansivas e um visual mais quadrinesco que marcou a levantada dos heróis no cinema com X-Men, Hulk e, sobretudo, Homem-Aranha, do Sam Raimi, agora era rejeitado em prol da busca por uma explicação concreta para esses heróis no nosso mundo, impossibilitando o público de imaginar, e nos obrigando a acreditar que um Deus descer na Terra é possível, já que a Marvel deu uma explicação (pseudo) científica para isso. 

Em certa medida, tal movimento é até natural (infelizmente) na maturação de lógicas cinematográficas. Desde muito cedo, o cinema como realidade é uma visão teórica que tem força e perpassa as décadas sendo mais ou menos dominante dependendo do contexto em que está inserido, mas sempre se fazendo presente em algum grau. Não à toa, a evolução das técnicas cinematográficas quase sempre vão em direção ao realismo, seja na captura de imagem e som ou mesmo na reprodução dessa imagem por meios digitais (é só perceber como o CGI considerado “bom” geralmente é aquele que parece realista). 

E por mais que o “realismo” lógico e a obsessão por uma suposta verossimilhança da contemporaneidade pouco tenha a ver com aquele realismo defendido por teóricos como André Bazin, não deixa ser esperado que quando um gênero (acredito que já podemos considerar os filmes de herói como gênero há algum tempo) passa a ser levado mais a sério, ele costuma carregar junto uma necessidade de se aproximar do mundo real, ainda que, nesse caso, essa aproximação seja muito mais fake do que o público consiga perceber. A fantasia geralmente é negada quando isso acontece, e, no MCU, desde o início, isso não foi diferente.

Porém, quando um universo de mais de 15 anos não encontra mais uma coesão entre seus filmes e dá sinais de saturação da lógica vigente, chega “Pantera Negra 2” timidamente tentando inserir elementos novos e trazendo a discussão entre realismo e fantasia para primeiro plano, ainda que escondidos sob outros termos. O realismo vira tecnologia ou racionalidade, enquanto a fantasia se torna tradição. E mesmo que o longa não abrace um lado mais inocente e exagerado que era comum ao gênero no começo século, o que “Adão Negro” faz de forma bastante escancarada, é impossível não notar alguns sinais de contestação à racionalidade no longa. No fundo, é o MCU rejeitando a si mesmo, mas só até certo ponto.

Assim, toda a trama vai girar em torno do vibranium, uma espécie tecnologia palpável dentro do MCU, ao mesmo tempo que, desde o começo, o protagonismo é dado a Shuri (ainda que não seja tão evidente na primeira hora do longa), e a personagem é levada a decidir entre virar a nova Pantera Negra tomando uma planta mística (fantasia) ou seguindo apenas com suas tecnologias (racionalidade). Após muito relutar, a personagem vê que aceitar o manto é a única possibilidade de salvação para o seu povo, o que podemos ver como o MCU entendendo que sua única saída para o futuro é aceitar o fantástico.

Entretanto, não é uma fantasia total, nem perto daquela presente em longas como os X-Men dos anos 2000 ou o Hulk de Ang Lee. Aqui é uma fantasia tímida, que ainda se apoia em um suposto realismo explicado. É só perceber que até a planta mágica que gera efeitos inexplicáveis é construída em laboratório graças à tecnologia da personagem. Ou seja, trata-se de uma espécie de fantasia racionalizada.

Por outro lado, quase tudo que envolve o antagonista, Namor, soa como a Marvel se interessando um pouquinho mais na fantasia. Tudo bem, até há um flashback que tenta explicar como os poderes do personagem surgiram e a raça dele se constitui, mas pouco é dito sobre o fato dele ter uma orelha pontuda ou asas no pé, o que o próprio filme reconhece o quão brega é. E, por mais que a cidade submersa nem de perto tenha o encantamento que deseja, ficando resumida a poucos planos extremamente escuros, é um deleite para os fãs de fantasia perceber que o personagem é mitologia purinha, daquelas que pouca explicação busca no nosso mundo real.

Todavia, se o longa mostra que o MCU ainda não tem coragem de abraçar a fantasia totalmente e pareça mais um primeiro passo nesse sentido, o mesmo não pode ser dito sobre o protagonismo feminino, que vinha sendo ensaiado desde o fraco “Capitã Marvel”, mas, até então, era mais um jogo comercial do que uma vontade real de Kevin Feige em colocar essas heroínas em evidência. 

Dessa forma, se “Capitã Marvel” foi apenas uma roubadinha para inserir a personagem em “Vingadores: Ultimato”, “Viúva Negra” uma desculpa para apresentar Yelena no universo e “Wandavision”, apesar de funcionar bem melhor nesse sentido, ainda ficava presa à figura masculina do Visão e da mulher que tem como único objetivo possível ser mãe, em “Pantera Negra 2”, apesar de dirigido por um homem, o longa é a verdadeira porta de entrada para as mulheres no MCU.

Mesmo o luto da figura masculina, aqui justificado pelo falecimento do ator na vida real, fica restrito a momentos específicos. Há finalmente um interesse genuíno em colocar essas mulheres à frente e em desenvolver Shuri como heroína, em uma espécie de jornada de autodescoberta. É um dos arcos de origem mais interessantes de todo o universo, que só pode ser atrapalhado se não conseguirmos dissociar a personagem da atriz (o que fui conseguindo ignorar com o andar do longa). 

E isso perpassa Shuri e se abre na relação dela com outras personagens. A mãe tem sua presença marcada fortemente, assim como Okoye ganha um desenvolvimento para além da guerreira e, até mesmo, a aparição de Riri Williams apresenta uma força feminina que em muito se parece com a de Shuri (ainda que essa pareça um pouco deslocada aqui, aquele famoso caso de uma personagem jogada em um longa para ser apresentada, mas que sua verdadeira razão de ser mais tem a ver com o futuro do universo).

Então, apesar do longa derrapar narrativamente em diversas conveniências ou perder o foco ao inserir questões que mais tem a ver com o futuro do MCU do que com o filme em si (não só Riri, mas também tudo que envolve Ross e Vel), quando foca no conflito central entre Wakanda e Namor, tudo passa a funcionar melhor e as temáticas da fantasia x racionalidade, assim como o interesse pelo feminino dentro desse universo, ganham força e fazem desse o melhor filme da Fase 4 do MCU, ainda que sem ter metade da identidade do primeiro “Pantera Negra”.

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