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|Crítica| 'Paloma' (2022) - Dir. Marcelo Gomes

|Crítica| 'Paloma' (2022) - Dir. Marcelo Gomes

Crítica por Victor Russo.

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'Paloma' / Pandora Filmes

 

 
 
Título Original: Paloma (Brasil)
Ano: 2022
Diretor: Marcelo Gomes
Elenco : Kika Sena, Ridson Reis, Anita de Souza, Suzy Lopes e Samya de Lavor.
Duração: 104 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Em “Paloma”, o problema não é sonhar, mas ter a esperança de que esses sonhos se realizarão no Brasil contemporâneo

"Eu nasci homem, mas sou mulher”, diz a protagonista em determinado momento do filme. Tal fato já nos induz a pensar que “Paloma” seria sobre uma mulher trans tentando sobreviver no Brasil contemporâneo, pensamento comum em se tratando de um dos países que mais mata trans no mundo. Mas não é sobre isso, ou melhor, não inicialmente.

O diretor Marcelo Gomes nos desarma ao apresentar uma mulher trans casada com um marido que parece amá-la, mãe de uma filha pequena cheia de bonecas para brincar e princesas para sonhar e que vive uma vida comum, dando duro no trabalho todos os dias. O cineasta vai construindo aos poucos uma realidade bem brasileira, dos sertanejos bregas tocando o tempo todo na diegese aos sonhos da protagonista, de ser mãe e esposa, passando pela religião como papel fundamental naquela sociedade.

Gomes então nos aproxima da personagem principal, com uma câmera que a acompanha de perto o tempo todo, em closes que eliminam o fundo pela baixa profundidade de campo e a tornam o objeto de interesse da narrativa. E de perto a vemos tendo uma boa relação com o padre da cidade, as amigas de trabalho, a filha e o marido. Tudo nos leva para uma vida comum de uma mulher trabalhadora do interior de Pernambuco que não incomoda ninguém e consegue até ter prazeres na vida, como a cervejinha com a amiga ou o sexo com o marido.

Só que tudo muda não quando ela começa a sonhar, mas quando passa a ter a esperança de que seu sonho é possível e faz de tudo para realizá-lo. O padre então muda a atitude, mas isso não a impede de seguir lutando pelo seu sonho, nem que precise fazer o papa (aqui literalmente) escutá-la, em um momento brega e tocante na mesma medida. Ela tem a oportunidade de casar às escondidas, mas não aceita, já que não quer o seu sonho realizado pela metade.

A esperança aparece então como essa coisa paradoxal que é por natureza. Se não acreditarmos que nossos sonhos podem se realizar, talvez não nos frustremos. Mas, como viver sem ter esperança que o seu sonho pode se realizar? Ou nas palavras da própria Paloma: “Todo mundo precisa de um sonho”. Então, o que a mantém viva também é o que se transformará na sua frustração. Mas Paloma não é uma mulher comum, como o próprio filme nos sugere inicialmente, capaz de sonhar, acreditar, frustrar-se, antes de voltar a sonhar de novo. Paloma é uma mulher trans vivendo em um país reacionário e violento. Sua frustração não é apenas frustração, é risco de vida.

Em certo sentido, acaba sendo interessante perceber a proximidade temporal entre o lançamento de “Marte Um” e “Paloma”. Apesar de bastante diferentes, ambos vão entender e traçar um panorama rico do que é ser brasileiro, sobretudo quando se trata de minorias. Não à toa, os dois vão recorrer a elementos semelhantes para construir essa brasilidade, mesmo que um se passe em Belo Horizonte e o outro no interior de Pernambuco. É o futebol, a música, o sexo carnal e feroz, a sexualidade como tabu, a religião como desculpa, fanatismo ou sustentação e, principalmente, o perigo ou a dificuldade que é sonhar no Brasil contemporâneo quando não goza de uma posição de privilégio.

Nesse sentido, dá para recorrer até a outro grande filme do nosso cinema: “Falsa Loura”. Assim como “Paloma”, partimos de uma personagem pobre, trabalhadora e cheia de sonhos, mas que vai sendo quebrada e humilhada. Só que Silmara, no longa de 2007, ainda conseguia retornar ao início, mesmo que não seja a mesma no final dessa narrativa. No caso de Paloma, não há mais volta para essa mulher trans que ousou acreditar que poderia realizar os seus sonhos.

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