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|Crítica| 'Os Irmãos da Leila' (2022) - Dir. Saeed Roustaee

|Crítica| 'Os Irmãos da Leila' (2022) - Dir. Saeed Roustaee

Crítica por Victor Russo.

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'Os Irmãos da Leila' / MostraSP

 

Título Original: Leila's Brothers (Irã)
Ano: 2022
Diretor: Saeed Roustaee
Elenco : Tarane Alidousti, Saeed Poursamimi, Navid Mohammadz, Payman Maadi e Farhad Aslani.
Duração: 165 min.
Nota:5,0/5,0
 

Em “Os Irmãos da Leila”, quando a tradição surge como prisão, restam os irmãos como porto seguro e esperança de futuro

Premiado em Cannes, o novo filme do iraniano Saeed Roustayi se apoia em elementos que remetem bastante ao cinema de Asghar Farhadi. Partindo de um mundo que só existe para destruir os personagens, alguns diriam que é uma visão pessimista, enquanto outros enxergam apenas como realismo puro e simples, o longa constrói uma rede de eventos que cria uma bola de neve e só afunda mais os personagens em uma situação desesperadora.

Assim como nos longas de Farhadi, “A Separação”, “Um Herói” e “À Procura de Elly”, só para citar os três melhores, os personagens são construídos da forma mais humana possível, não tanto pensados em uma evolução, mas apenas como pessoas vivendo suas vidas e sendo levadas a realizar ações que soam inofensivas e parecem até corretas no contexto, mas geram consequências desastrosas.

Além disso, a coincidência se exibe como importante elemento narrativo, nunca soando como mera facilitação para o desastre, e, sim, apenas mais uma amostra de que aquele mundo tem alma própria e está sempre tentando levar os personagens a tomarem ações moralmente questionáveis. Um bom exemplo é como alguns tweets de Donald Trump, ainda presidente no período em que o mundo do filme se revela para nós, são capazes de acabar com as chances de prosperidade da família. Ao mesmo tempo, esse pequeno momento, que é apenas citado por terceiros, serve como uma temática fundamental do longa, o capital (uma espécie de representação da invasão do ocidentalismo no oriente) se torna a maior necessidade e catalisadora da ruína na vida daquelas pessoas.

Então, somos apresentados a uma família aparentemente comum: pai, mãe, quatro filhos homens e uma filha mulher (que dá título ao longa). Roustayi nos conduz então a uma vida aparentemente difícil, mas banal, contrastando desde os momentos iniciais os três personagens centrais do longa: Leila, o pai e Alireza. Desde a perda de emprego deste, até a rejeição sofrida pelo pai com seus familiares e Leila “parada” como sua vida, a montagem os intercala para mostrar justamente como as suas vidas vão se entrelaçar.

Financeiramente quebrados, a história vai passar justamente pelas tentativas desses cinco irmãos de sobreviver e conseguir um negócio lucrativo que sirva como o futuro para todos eles. Enquanto Leila, a mais inteligente, tenta convencer Alireza a abrir uma loja com possível grande retorno para o resto das vidas deles, Manouchehr busca o caminho mais fácil e com maior potencial de desastre.

Só que nada disso importa tanto realmente, já que todos esses irmãos estão aprisionados por uma tradição que não permite o sucesso familiar. O orgulho do pai e rejeição a sua filha mais capaz apenas por não ser homem minam todas as possibilidades deles, ao mesmo tempo que levam os personagens a ignorarem sua moral em busca do único futuro que parece certo, gerando as melhores sequências do longa. Mais uma vez dinheiro (ocidente) e tradição (local) servem como uma prisão sem grades para os personagens.

De um lado, Leila não só é inteligente, mas também corajosa e, alguns diriam, inconsequente (o que eu discordo e o longa constrói perfeitamente a sua relação com os pais que levam aos seus atos), por outro, Alireza, que também pode ser brilhante, mas um mix de covardia e amor ao pai o leva a servir como um contraponto para a protagonista. 

Entretanto, mesmo em lados opostos por muitos momentos, os personagens compartilham da mesma prisão com seus irmãos. A casa pequena, com enquadramentos que colocam esses vários personagens juntos e espremidos no plano é como a mise en scène revela a falta de futuro desses irmãos incapazes de romper a tradição orgulhosa do pai. Não à toa, o longa vai recorrer no final a uma morte literal e simbólica dessa tradição, gerando uma mistura de tristeza, pelo ente perdido, e felicidade, por essa libertação para um futuro melhor. Quase como o passado morrendo para o futuro existir.

Porém, apesar de tudo isso e de mais de 2h40 de angústia e claustrofobia para o espectador, Roustayi, ao contrário de Farhadi, ainda vê uma luz no fim do túnel. Ainda que essa luz seja fraca e contenha pouca esperança, a possibilidade de ter alguém ao seu lado sempre, de se unirem como irmãos que brigam, zoam um com o outro, mas que estão juntos para enfrentar esse mundo terrível, já é muita coisa. Segurança, aconchego e liberdade, como as poucas cenas a céu aberto, na parte de cima da casa, entre Leila e Alireza, são momentos que o espectador é convidado a respirar alguma possibilidade de futuro para aqueles irmãos.

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