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|Crítica| 'Os Fabelmans' (2022) - Dir. Steven Spielberg

|Crítica| 'Os Fabelmans' (2022) - Dir. Steven Spielberg

Crítica por Victor Russo.

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'Os Fabelmans' / Universal Pictures

 

Título Original: The Fabelmans (EUA)
Ano: 2022
Diretor: Steven Spielberg
Elenco : Paul Dano, Michelle Williams, Gabriel LaBelle, Seth Rogen, Jeannie Berlin e Judd Hirsch.
Duração: 151 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Em sua autobiografia, Steven Spielberg desloca o seu protagonista para a posição de observador e realizador silencioso

Independente do ego do diretor, parece natural que todo cineasta em algum momento de sua carreira sinta a necessidade de relatar a sua própria vida, seja em uma autobiografia declarada ou não. Claro que grande parte dos diretores, de forma mais explícita, como Martin Scorsese, ou mais silenciosa, como é o caso do próprio Spielberg, relate temas, acontecimentos ou relações pessoais em suas obras. Basta ver como o primeiro trabalha a religião, a comunidade ítalo-americana da metade do século passado e seus valores, enquanto o segundo dá muitas vezes atenção para a figura paterna ou a apaga por completo.

Spielberg parece ter chegado àquele momento da carreira em que não basta mais apenas falar sobre o seu próprio cinema ou incluir de maneira mais tímida elementos de história que se relacionam com a sua vida. Ainda que com nomes alterados, o cineasta nem esconde que “Os Fabelmans” narra a sua própria infância e juventude, desde o surgimento do seu interesse por cinema até a sua chegada como estagiário sonhador em Hollywood, passando pelos seus filmes caseiros e a relação entre os seus pais que o envolveu diretamente.

Entretanto, como alguém que respira cinema desde as suas primeiras memórias, Spielberg não se contenta apenas em relatar eventos ou em se acomodar na nostalgia do cineasta que fala sobre sua paixão por filmes. Ele toma o caminho inverso, apropria-se desses eventos e pessoas que marcaram sua vida, assim como do amor por cinema que dominou seus mais de 70 anos, e os narra a partir da perspectiva quase voyeurística de um diretor. 

Sammy Fabelman (Gabriel LaBelle/Mateo Zoryon Francis-DeFord), a representação de Spielberg no longa, é um protagonista presente e ausente ao mesmo tempo. Ele aparece para criar, colocar suas ideias em prática, inventar e filmar. Mas some naquilo que a câmera está captando. É como se o cineasta visse a sua vida definida sob a perspectiva de um eterno diretor, alguém que não busca o reconhecimento de um astro, mas que está sempre ali observando e manipulando por trás da cena. O responsável pela realização da obra como unidade, mas que não busca os méritos e nem tem a imponência para aparecer em primeiro plano.

Não à toa, apesar da paixão da mãe (Michelle Williams) pelo melhor amigo do pai (Seth Rogen) dar a impressão de ser o foco do longa, “Os Fabelmans” se move mesmo a partir das câmeras dentro do filme. Mesmo esse affair é descoberto pelo protagonista a partir da manipulação da película, como uma verdade que só o cinema é capaz de revelar. E, ao descobrir, Sammy não a confronta e muito menos cogita revelar a verdade para o pai (Paul Dano). Ele se volta mais uma vez para a realização do filme da vez, como o único escape possível da realidade.

Assim, “Os Fabelmans” é muito mais uma autobiografia que se move pela paixão de seu protagonista por realizar e manipular filmes do que por acontecimentos externos a ele. A ideia de que se a sua câmera é capaz de captar, logo aquele acontecimento pertence a ele (personagem), ainda que, no fim, Spielberg nos lembre que é ele (“Spielberg real”) quem está no controle dessa narrativa que presenciamos, tudo com um simples movimento de câmera que revela um aprendizado tão poderoso quanto a visão do jovem Sammy na hora de montar o seu primeiro filme de colisão do trem de brinquedo a partir de vários planos.

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