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|Crítica| 'Os Delinquentes' (2023) - Dir. Rodrigo Moreno

|Crítica| 'Os Delinquentes' (2023) - Dir. Rodrigo Moreno

Crítica por Victor Russo.

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'Os Delinquentes' / MUBI & Vitrine Filmes

 

Título Original: Los Delincuentes (Argentina)
Ano: 2023
Diretor: Rodrigo Moreno
Elenco : Esteban Bigliardi, Daniel Elias, Margarita Molfino, Germán de Silva e Cecilia Rainero.
Duração: 189 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Com a ironia raivosa comum ao cinema argentino, Rodrigo Moreno ensaia uma união contra a suposta liberdade total que oprime, mas vê a fuga individual como única saída possível

O sistema dominante de cada tempo é quem sempre ditará as regras, estabelecerá um imaginário do certo e do errado, e, principalmente, moldará silenciosamente o estilo de vida a ser seguido por cada pessoa. O capitalismo se estabeleceu como o modelo do nosso tempo há séculos e fez questão de destruir ou sufocar qualquer ideia dissonante que aparecesse. Com ele veio não só a propriedade privada, a acumulação de capital e a falsa ideia de meritocracia, mas também a ilusão de que vivemos em um sistema livre para sermos quem quisermos. Então, no mundo mais conectado da história, cada ser humano é levado a buscar respostas individuais, uma forma sutil de manter as posições de poder e rejeitar qualquer possibilidade de união contra aqueles que detém o poder.

Moreno até ensaia algum tipo de união entre Román e Morán (o jogo de palavras que existe apenas entre os personagens que experimentam a fuga da grande cidade é delicioso), mas o foco nunca vai ser uma união da classe contra o sistema. Longe disso, o segundo enfia o primeiro à força em seu plano desesperado a fim de beneficiar apenas eles dois. O dinheiro tirado do banco não faz falta, é coberto pelo seguro (o capitalismo se ajustando e mantendo sua posição), enquanto quem paga o preço disso são os outros trabalhadores locais. Ou seja, a tentativa de romper o sistema individualmente por um membro da classe operária acaba por ter como alvo de repressão apenas e somente outros membros da mesma classe.

Pode-se até argumentar que o longa argentino propõe uma falsa escapatória que nada muda o sistema, mas, na verdade, em nenhum momento realmente há um desejo de revolução. Moreno aceita com o seu humor ácido e desesperado que não conseguirá mudar o que já foi estabelecido, não prega aquelas revoluções ingênuas dos “Dinheiro Fácil” e outros filmes hollywoodianos metidos a antissistema, mas que não passam de inofensivos e contraditórios. Na contemporaneidade do individual, o cineasta vê apenas o indivíduo fugindo das grades da suposta liberdade total. Ao trabalhador obrigado a trabalhar muito, dormir pouco e descansar ou se divertir por apenas 15 dias por ano, além de reprimido a qualquer tentativa de se unir contra o sistema, resta apenas a busca pessoal por uma felicidade e, finalmente, uma possível liberdade.

É interessante perceber então como primeiro Morán e depois Román enxergam inicialmente a fuga do sistema capitalista apenas pelo próprio sistema. Ou seja, vendo na acumulação de capital a única possibilidade de se libertar de uma máquina que o obriga a trabalhar para conquistar capital. É só posteriormente, quando se conectam (sobretudo Morán) com uma sociedade que opera dentro sistema, mas se permite ficar à margem dele também, que eles passam a vislumbrar uma verdadeira liberdade, muito ancorada em uma espécie de bucolismo contemporâneo. Román se permite se livrar das amarras que lhe foram impostas por toda vida, Morán sede ao capital e retorna para a sua vida de sempre, ainda que com um dinheiro capaz de não ser completamente amarrado pelo sistema, mesmo que dependa e se insira nele em algum nível.

O mais delicioso é como Moreno nos conduz por essas temáticas durante três horas, vislumbrando essa liberdade não só em eventos, mas principalmente em como encena a rotina inicial de Román por meio de ações programadas, enquanto a luz sem vida e os espaços fechados oprimem o protagonista. Tal prisão visual não é vista nem quando ele está na penitenciária. A ida para a natureza abre o plano, busca as cores e cria um sentimento de que é gostoso estar naquele lugar. As cenas se estendem, os contatos humanos se ampliam e a cidade opressora é quase esquecida. Mas, no fim, ela sempre vai estar lá, sobretudo para aqueles que são incapazes de abandonar o que foram ensinados a acreditar como única vida possível.

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