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|Crítica| 'Os Banshees de Inisherin' (2023) - Dir. Martin McDonagh

|Crítica| 'Os Banshees de Inisherin' (2023) - Dir. Martin McDonagh

Crítica por Victor Russo.

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'Os Banshees de Inisherin' / Searchlight Pictures

 

Título Original: The Banshees of Inisherin (Irlanda)
Ano: 2023
Diretor: Martin McDonagh
Elenco : Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan e Gary Lydon.
Duração: 114 min.
Nota: 4,0/5,0
 

Martin Mcdonagh faz de seu absurdismo e sua ambiguidade uma metáfora poderosa e solitária para as desavenças provocadas pela Guerra Civil da Irlanda

"Os Banshees de Inisherin” é um filme curioso dentro da filmografia de Mcdonagh. Não por ser ausente das características do diretor, muito pelo contrário, todas elas estão aqui: violência, solidão, absurdismo, humor ácido e personagens dúbios, uma frieza que não impede certa ternura nos personagens, ambientação específica como único lugar possível para aquela história se desenrolar etc. O interessante é justamente perceber como todos esses elementos se dispõem no período histórico específico.

Vemos então uma história que inicialmente parece ausente no mundo, distante de todos os conflitos existentes no país a qual aquela ilha pertence: a Irlanda. Ouvimos falar sobre a Guerra Civil Irlandesa, que aconteceu logo após a República da Irlanda se tornar independente do Reino Unido. Ouvimos também os tiros ao fundo, enquanto os personagens em questão dizem nem saber mais o que está acontecendo naquele conflito. Tudo isso, claro, com o humor mórbido típico do Mcdonagh, como na cena em que o policial de Inisherin diz que por um almoço ele iria na execução, mesmo que não soubesse quem iria ser executado.

Ao fazer isso, Mcdonagh está menos interessado em definir heróis e mocinhos dessa Guerra, mas em nenhum momento se faz ausente dela. Sua preocupação está justamente em comentar sobre os resultados da Guerra na sociedade irlandesa, mesmo naqueles que não participaram ativamente do conflito. Então, os tiros podem parecer distantes no longa, mas a Guerra está no coração dos personagens desde a premissa. Ainda que, mais uma vez, tudo sob a ótica sempre ambígua e ácida do cineasta.

Pádric e Colm, interpretados com excelência por Colin Farrell e Brendan Gleeson, revisando a parceria do delicioso “Na Mira do Chefe”, só que agora sob o contexto de uma amizade terminada do dia para noite, tornam-se uma analogia direta para as antigas amizades rompidas por estarem em lados opostos da Guerra. Uma amizade, que, como eles reforçam no diálogo final do longa, abriram feridas incuráveis que jamais poderão ser fechadas. 

Porém, ao transportar tal história para a Inisherin, uma ilha isolada e quase vazia (a ideia de ser uma ilha não poderia ser uma referência mais clara para ideia de solidão), Mcdonagh expõe também a solidão que essas feridas gerou em cada um desses personagens. A única companhia de Pádric é o seu burrinho, de Colm o seu cachorro, Dominic (interpretado pelo ótimo Barry Keoghan) parece desesperado por alguém para conversar, enquanto Siobhan (interpretada pela excelente Kerry Condon) tenta fugir a qualquer custo daquele lugar pacato, assim como se escondia da sozinha e mística Sra. Mccormick (Sheila Flitton). É justamente esse cenário de isolamento que torna o bar tão importante, como se os personagens precisassem da bebida em um lugar escuro para poder criar algum laço, ainda que frágil.

Para isso, Mcdonagh vai criar uma mise en scène que soa solitária e claustrofóbica ao mesmo tempo. Quando não estão sendo filmados pequenos em planos abertos, eles são enquadrados em lugares escuros ou, principalmente, sendo confinados por outros elementos. Vemos Padriac pela janela várias vezes, ou “esmagado” entre as roupas do varal”, assim como Colm é apresentado distorcido por uma luneta (objeto que tenta aproximar aquilo que está distante, no caso, a tentativa de Padriac de manter uma amizade que já foi embora).

Só que “Os Banshees de Inisherin” não é um simples filme sobre a solidão como metáfora para as amizades desfeitas por causa da Guerra. O absurdismo característico de Mcdonagh aqui ganha contornos surrealistas, sobretudo porque o longa rejeita uma lógica direta de causa e consequência, como é comum no cinema hollywoodiano. Em alguns momentos, até existe um “porque”, mas esse é sempre absurdo demais para tentarmos estabelecer qualquer lógica, como Colm cortando os dedos como resposta por Pádriac conversar com ele. No mais, as coisas simplesmente acontecem, como na vida. Um personagem morre porque caiu no rio e ninguém estava perto, Siobhan vai embora porque simplesmente não pertencia àquele lugar, Colm do dia para noite decide que não vai ser mais amigo de Pádriac, e assim por diante.

Essa incerteza sobre o depois, tanto na pequena relação de causa e consequência quanto na mística local (representada na personagem de Flitton) ou nas respostas extremas a problemas banais (queimar casa, cortar o dedo) engrandecem a ambiguidade que ronda esses personagens, assim como é a visão do cineasta para o tema implícito na obra. 

Inicialmente, parece que Pádriac é mocinho e Colm vilão, já que soa cruel demais alguém terminar uma amizade sem nenhuma razão, certo? Só que, a partir disso, tudo perde a clareza, ao mesmo tempo que Mcdonagh nunca julga os seus personagens, eles são o que são, fazem o que fazem e tudo bem. A vida sob o olhar do diretor são essas absurdas ações inevitáveis. Assim, o protagonista não aceita perder a amizade, nem mesmo quando o ex-melhor amigo está perdendo dedos no processo. Poderia se fazer um julgamento do egoísmo de Padriac, mas Mcdonagh não o faz. Ao mesmo tempo, Colm olha com amor para a amizade dos dois, mesmo no momento atual, defendendo Padriac do policial e ajudando quando ele está ferido, o que não seria uma atitude típica de um vilão.

E é justamente todas essas ambiguidades comuns ao cinema de Mcdonagh, muito trabalhadas também em “Três Anúncios Para Um Crime”, que fazem dos personagens desse diretor tão ricos. A própria visão do cineasta soa deliciosamente ambígua quando percebemos que por trás dessa casca dura do pessimismo absurdo e irônico, ele encontra uma ternura em seus personagens imperfeitos. No fundo, em meio a toda desesperança e impossibilidade de final feliz, Mcdonagh ainda vê a beleza em cada uma dessas pessoas, nem que precise escavar um pouco para encontrá-la.

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