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|Crítica| 'O Urso do Pó Branco' (2023) - Dir. Elizabeth Banks

|Crítica| 'O Urso do Pó Branco' (2023) - Dir. Elizabeth Banks

Crítica por Victor Russo.

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'O Urso do Pó Branco' / Universal Pictures

 

Título Original: Cocaine Bear (EUA)
Ano: 2023
Diretora: Elizabeth Banks
Elenco :Keri Russell, Alden Ehrenreich, O'Shea Jackson Jr., Ray Liotta e Kristofer Hivju.
Duração: 95 min.
Nota: 2,5/5,0

 

O Urso do Pó Branco até tem seus momentos divertidos quando o gore funciona. Mas, no geral, é o típico filme de estúdio, super controlado, que tenta ser trash a todo custo, sem nunca soar natural ou genuíno

Em um dos seus ensaios mais famosos, intitulado “Notas Sobre Camp”, Susan Sontag, uma das maiores críticas de arte a pisar na Terra, traz 57 pontos para definir essa figura meio nebulosa que está presente na arte há muitos séculos, inclusive no cinema desde os seus primeiros anos de vida. Tal texto vê no camp uma certa ingenuidade, um exagero natural, um desapego genuíno à seriedade, além de ressaltar que tal visão só funciona quando ela surge despretensiosamente, nunca quando é intencional. Ainda que bastante diferente do camp de forma geral, o trash compartilha alguns desses elementos. Nascido em filmes de baixo orçamento, quase sempre de horror, o trash tem uma tendência ao absurdo, ao bizarro, uma rejeição ao controlado, sério e pretensioso. Tudo é espalhafatoso, as atuações beiram a caricatura, os personagens e o texto quase nunca apresentam qualquer profundidade e a violência gráfica geralmente foge do realismo.

Isso não quer dizer necessariamente que o trash ou seus elementos devem ficar restritos ao cinema de baixo orçamento. “Maligno”, por exemplo, faz uma combinação bastante interessante entre o trash, outros gêneros e subgêneros do terror. O problema é que, em um cinema hollywoodiano infectado pelo PG-13 (no Brasil, classificação indicativa: 12 anos), com ausência de violência retratada visualmente, nudez, palavrões etc, era natural o crescimento de um movimento oposto. Mais uma vez, os estúdios criam a demanda e o público acredita que tal ideia partiu dos espectadores. Então, há poucos anos, o gore deixou de ser apenas a sanguinolência de sempre e virou um elemento cool. O lado mais tosco do trash virou muleta para a criação de filmes que soam exagerados ou despretensiosos. Com isso, o trash como um todo virou sinônimo de diversão cult.

O problema é que, nesses blockbusters, o trash tem muito pouco de genuíno ou natural. Ele é apenas um fetiche, uma máscara para fazer a obra parecer mais descolada, para o filme fingir ser o que ele não é realmente. “O Urso do Pó Branco” é o mais novo exemplo de um longa com grandes pretensões mercadológicas e um orçamento no mínimo razoável a se revestir dessa forma, mesmo que o filme traia o trash quase o tempo todo.

É bem verdade que há sim alguns momentos mais sinceros, sobretudo algumas sequências sanguinolentas, como a começada na cabana e terminada na ambulância. Ou mesmo as duas crianças comendo cocaína, algo pouco usual para uma obra de Hollywood. Mas, em maior medida, “O Urso do Pó Branco” é um típico filme de estúdio, extremamente controlado, a ponto de ir de encontro à lógica do realismo, mesmo em se tratando de um filme protagonizado por um urso cheirado. Isso fica bastante evidente justamente no CGI do animal, que deve ter tomado quase todo o orçamento da produção. Pode até não ser perfeito, mas o propósito é sim ser o mais crível possível, rejeitando o lado mais tosco do trash para se render à “verossimilhança” (coloco entre aspas porque o correto não seria igualar o termo ao realismo, mas assim tem sido feito) que domina as produções americanas dos últimos 15 anos pelo menos.

Dessa forma, fica aquela sensação de trash forçado, apenas quando é conveniente para o filme soar astuto e moderninho. A naturalidade brega dá lugar ao calculado, a ponto do longa não confiar apenas na sua máquina de matar e desprender muitos minutos para criar e se aprofundar em personagens e tramas que pouco importam. Tudo isso para, no fim, as mortes de personagens genéricos (os dois garotos, os dois da ambulância, a guarda florestal) serem mais significativas do que as de personagens mais relevantes. Com isso, Elizabeth Banks até tem ideias interessantes, como a brincadeira com a realidade absurda da situação, a citação do Wikipédia como uma piada que vai ser desmentida ou mesmo bons momentos de diversão visual pela violência. Mas esses eventos pontuais nunca libertam o filme completamente das amarras do pseudo trash de estúdio.

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