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|Crítica| 'O Pastor e o Guerrilheiro' (2023) - Dir. José Eduardo Belmonte

|Crítica| 'O Pastor e o Guerrilheiro' (2023) - Dir. José Eduardo Belmonte

Crítica por Victor Russo.

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'O Pastor e o Guerrilheiro' / A2 Filmes

 

Título Original: O Pastor e o Guerrilheiro (Brasil)
Ano: 2023
Diretor: José Eduardo Belmonte
Elenco :Johnny Massaro, César Mello, Julia Dalavia, Cássia Kis e William Costa.
Duração: 115 min.
Nota: 3,0/5,0
 

“O Pastor e o Guerrilheiro” olha com otimismo receoso para o futuro, mas sem nunca esquecer a herança maldita do passado

Um coronel comete suicídio. Uma jovem frequenta aula na faculdade e depois encontra o seu namorado. Um pastor evangélico prega em uma pequena igreja. No passado, um jovem adentra a floresta densa para fazer parte da guerrilha do Araguaia. O novo filme de José Eduardo Belmonte vai se usar de uma abertura que soa sem muito foco, vai para vários lugares, tempos e personagens, antes de começar, gradualmente, a criar conexões e coincidências a fim de unir passado trágico (ditadura militar) a futuro esperançosos (virada do milênio como sonho de um mundo melhor). 

É bem verdade que, no processo, a narrativa tem bastante dificuldade de contemplar todos os personagens e temas como deseja. Há momentos, por exemplo, em que a neta do coronel, até então funcionando como a protagonista que resgata memórias esquecidas, é deixada de lado por vários minutos. Ou a história do pastor no presente anda em círculos, com ele questionando os filhos sobre o mesmo assunto por várias cenas, antes de ganhar substância ao ter seu papel atrelado à história central. Além disso, nessa tentativa de abraçar o mundo, o filme muita vezes recorre a metáforas ou situações óbvias, como a relação entre os pássaros na gaiola do coronel e os prisioneiros da ditadura, ou a cena em que um jovem aleatório aparece em uma manifestação pró-cotas raciais para replicar um discurso reacionário babaca. São passagens como essas que deixam claro que Belmonte não dá conta de abordar tudo o que deseja com a mesma força dramática. É quando a forma enfraquece o conteúdo, se é que dá para criar tal distinção.

Entretanto, quando o filme encontra o seu tom, seja em todas as cenas com Johnny Massaro, seja nos momentos mais pessimistas ou otimistas da busca de Juliana (Júlia Dalavia), ele traz um recorte bastante interessante entre história como herança maldita com a necessidade perigosa do sonhar. A começar pelos dilemas implicados aos personagens e as ações que cada um deve tomar a partir de então. Como lidar com a herança de um pai que torturou e matou tanta gente? Como reagir a uma ditadura que cerceia liberdades com violência? Como perdoar àqueles que fizeram coisas terríveis?

Belmonte cerca então os personagens por sombras, uma representação visual potente para as dúvidas e dificuldades enfrentadas pelos personagens. O que cada personagem faz com os problemas enfrentados, com o passado que atormenta e o futuro que bate à porta, é como “O Pastor e o Guerrilheiro” encontra sua maior força. É a partir daí que o longa rompe expectativas. A garota progressista que luta por uma vida melhor para todos tem de viver com o peso de ter um pai criminoso e com a herança de sangue como única forma de salvar sua avó (um desejo que pode soar egoísta para uma heroína), mas que compreendemos tanto a ação tomada quanto o peso dela para a personagem. O pastor evangélico, quase sempre vilanizado no cinema nacional (na maioria das vezes, com razão) inicia aqui como alguém fechado às mudanças, para depois se mostrar bondoso, que usa sua fé para o bem dos outros. Alguém aberto ao diálogo (com o guerrilheiro), capaz de perdoar até quem o torturou, e que faz da sua religião uma forma de olhar para o futuro com algum otimismo. O próprio guerrilheiro tem um desfecho para lá de inesperado, assim como o seu caminho em direção a uma aproximação e diálogo com o pastor.

O mais fascinante é que, com exceção dos momentos mais sem foco do longa, Belmonte parece acreditar muito em seus personagens, na luta, na bondade, no futuro. A dor e os traumas conseguem ser tão contagiantes e poderosos quanto a possibilidade de um amanhã melhor. É um olhar duro para o antes e belo para o depois, que ganha um peso ainda maior quando a gente sabe o que aconteceu nesse novo milênio e percebe que ter esperança quase sempre é sonhar com o impossível. No Brasil, a herança da ditadura podia parecer ter ido embora nos anos 90 junto com aquele coronel morto. Infelizmente, não é o caso. Os personagens do longa podem não saber disso ainda, mas nós temos essa consciência.

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