|Crítica| 'O Homem do Norte' (2022) - Dir. Robert Eggers
Crítica por Victor Russo.
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'O Homem do Norte' / Universal Pictures |
Mais uma vez apegado às antigas lendas místicas, Robert Eggers convida o espectador para presenciar a beleza na brutalidade vingativa humana
Eggers é um daqueles interessantes diretores surgidos nos últimos anos e com uma visão bastante própria, desapegada da necessidade comercial. Se o cinema ocidental é cada vez mais pautado pelo verossímil e próximo do espectador, o cineasta prefere nos transportar para longe, e exige do espectador uma capacidade de imaginação e de envolvimento com uma experiência visceral e bela ao mesmo tempo.
Então, se o diretor estreou com uma história macabra e sugestiva envolvendo bruxaria em uma família afastada do século XVII, para em seu trabalho seguinte adentrar em um conto místico de lendas de marinheiros no século XIX, em “O Homem do Norte”, ele olha ainda mais para trás, para lendas nórdicas, enquanto ambienta seu filme no século IX, deixando como único de resquício de proximidade com o nosso mundo atual a brutalidade vingativa do ser humano.
Entretanto, se nos longas anteriores, sobretudo em “A Bruxa”, Eggers parecia muito mais interessado em um terror atmosférico, com uma mise en scène mais preocupada em criar uma certa sugestão sombria e incerta, em “O Homem do Norte”, o cineasta não demonstra qualquer receio de sujar as mãos. O interesse pelo místico continua presente, tanto nas cenas que misturam sonho, profecia e real, trabalhando figuras das lendas, como deuses, espadas e valquírias, quanto ao filmar ambientes esfumaçados ou fechados em um chiaroscuro opressor e alguns dolly in bem lentos para nos colocar nas ações. Porém, dessa vez, o diretor parece muito mais disposto a nos aproximar da lenda como observadores ativos.
Assim, são muitos os primeiros planos ou até closes dos personagens, sobretudo o protagonista, interpretado com a selvageria necessária por Alexander Skarsgard, olhando para a câmera, sugerindo uma quebra de quarta parede. É quase como se o diretor dissesse para o público: “Eu estou vendo você e você irá testemunhar essa história”. O mesmo ocorre com as cenas mais brutais do longa, em que Eggers faz questão de não esconder nada, seja nas cenas de lutas, que ele demonstra muita habilidade para manter tudo em um mesmo plano longo, ou ao filmar os corpos dilacerados após os ataques.
É como se, ao mesmo tempo que Eggers estivesse colocando a moral de seu protagonista à prova, ele também direcionasse o seu olhar para o público, questionando-nos, na posição de voyeur e juíz, se seguiremos com esse personagem até o fim, o que se torna ainda mais interessante quando novas informações sobre o seu pai são revelados. Mais do que isso, a visceralidade em “O Homem do Norte” é tão grande, que ela nos impregna. Quando percebemos, estamos torcendo para o personagem seguir a sua vingança e responder com violência um mundo em que não há espaço para a ternura, o que fica representado nos belos, e ainda brutais, momentos entre Skarsgard e Anya Taylor-Joy.
Dessa forma, Eggers parece nos conduzir em uma ópera de sangue e fisicalidade (não à toa ele sente um prazer em filmar corpos, seja fazendo amor ou completamente despedaçados), que se é quase toda falada em inglês para fins comerciais, a veia trágica e violenta vem completamente do âmago dos contos nórdicos.