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|Crítica| 'O Dublê' (2024) - Dir. David Leitch

|Crítica| 'O Dublê' (2024) - Dir. David Leitch

Crítica Por Victor Russo.

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'O Dublê' / Universal Pictures

 

Título Original: The Fall Guy (EUA)
Ano: 2024
Diretor: David Leitch
Elenco : Ryan Gosling, Emily Blunt, Aaron Taylor-Johnson, Hannah Waddingham, Winston Duke e Stephanie Hsu.
Duração: 126 min.
Nota: 3,0/5,0

 

O Dublê se sai melhor quando abandona a metalinguagem e se entrega à comédia romântica, já que a incisiva defesa do papel da profissão pouco reconhecida pouco se dá em imagem, ficando quase restrita ao texto “espertinho”

É bem curioso perceber hoje o que se deu com o cinema de David Leitch e Chad Stahelski após o primeiro John Wick. Ambos cineastas estreando na direção após trabalharem como dublês e diretores de dublês, o filme se tornou um marco para os filmes de ação hollywoodianos que vieram depois deles. Após anos de um gênero sofrendo em solo estadunidense com a maldição deixada pela ótima franquia Bourne, a qual teve seus cortes constantes e câmera tremida como uma tendência da indústria, que nas mãos quase sempre erradas fizeram os filmes do gênero perderem o prazer pela ação e se tornarem uma sequência infinita de planos sem uma encenação capaz de representar aqueles golpes, tiros e afins, diante do público. Ao olhar para o cinema asiático, sobretudo os wuxias, Leitch e Stahelski, como as irmãs Wachowski 15 anos antes deles, revitalizaram a forma de filmar essas obras, trazendo o corpo para primeiro plano, valorizando os dublês e o desenvolvimento desses acontecimentos em planos claros, encenados e quase sempre mais longos. Então, os dois se separaram, Stahelski continuou com a franquia e seguiu se aprimorando, chegando no ápice (até o momento) com John Wick: Baba Yaga, com uma sensação de melhora e reinvenção da técnica a cada filme. Já Leitch, que inicialmente era visto como o mais talentoso da dupla, o que se provou bem errado, até teve em seu filme seguinte (Atômica) uma preocupação com as sequências de ação, mas já dava indícios de uma guinada rumo ao filme de estúdio, principalmente ao muitas vezes colocar a trama e suas muitas reviravoltas em primeiro plano. A seguir, Deadpool até continuou a conciliar o mais industrial com essa personalidade do ex-diretor de dublê, só que ficava claro o rumo que a carreira de Leitch seguiria, dando mais espaço para as piadas e a metalinguagem para fã de franquia do que essencialmente para a encenação, o que se intensificou com Deadpool 2, Hobbs & Shaw e Trem-Bala. Enquanto Stahelski cresceu e se tornou, ao lado de Christopher McQuarrie talvez, o grande nome da ação em Hollywood, Leitch virou um diretor de estúdio, que sempre vai ter um projeto, porém tem seu nome e obras pouco lembrados.

Toda essa longa introdução pode parecer desnecessária, o que falar da carreira de Leitch e comparar com Stahelski tem a ver com O Dublê? Como o nome do filme, inspirado na série dos anos 1980 Duro na Queda, já diz, há já no vídeo pré-filme com Ryan Gosling e Leitch e nas cenas de making of durante os créditos finais, mas principalmente em toda a narrativa do longa, uma tentativa de exaltar a figura do dublê, uma das principais profissões da indústria, certamente a que mais se arrisca fisicamente, mas que é pouco lembrada, a ponto desses profissionais terem seus rostos substituídos, não lhes restando nenhum glamour. E, seria até contraditório pensar em Gosling, logo após o sucesso estrondoso de Barbie, nesse papel, não fosse a capacidade do ator de fazer comicamente esse ser solitário e esquecido, uma versão bem diferente do outro dublê que ele viveu no cinema, o soturno protagonista de Drive. Entretanto, pensar em uma relação entre os cinemas de Leitch e Stahelski vai além do fato deles serem ex-dublês e agora dirigirem filmes. Tem muito mais a ver com o que o cinema de ação e os dublês em Hollywood se transformaram após John Wick, e como apenas Stahelski deu sequência a longo prazo nesse interesse pelos corpos dançando e encenando lutas, tiros, perseguições etc. 

Então, se Leitch pretende valorizar o dublê e suas acrobacias, na prática, o filme só consegue realmente falar sobre o assunto, mas pouco mostra. É uma exaltação pelo texto, e não pela exibição, o que soa contraditório com toda a proposta do longa. Assim, quando o diretor escolhe mostrar ao final como aquelas cenas foram feitas, quase todas na prática, sem fundo verde/azul, essa tentativa de enaltecer aqueles dublês torna o seu resultado dentro da narrativa ainda mais decepcionante. É muito mais interessante ver aquelas cenas no set do que como elas se dão na prática dentro do filme. A encenação de Leitch, muito mais protocolar e distante do que faz Stahelski, pouco valoriza as sequências de ação, que não são ruins, longe disso, o diretor até mostra, ainda que por meio de muitos cortes, a ação e a presença daqueles corpos, só que isso é constantemente colocado lado a lado com o desenvolvimento paralelo da história. É o protagonista lutando em alta velocidade no caminhão, enquanto Jody (Emily Blunt) canta no karaokê. Ele executando o plano dentro do carro, também em velocidade acelerada, ao mesmo tempo que Gail (Hannah Waddingham) está tentando fugir, como uma vilã típica. Ou seja, a narrativa pouco se desenvolve de fato pela ação, pelas acrobacias metalinguísticas dos dublês, transformando aquilo que Leitch pretendia glorificar em uma espécie de adereço empolgante para a história apenas. 

Ao contrário de todos os John Wick, que até apreciamos a mitologia daquele submundo crescendo a cada filme, mas passaríamos tranquilamente horas e horas sem ela, apenas vendo aquele balé mortal frenético diante dos nossos olhos, O Dublê depende demais de sua comédia romântica. Mais do que isso, o filme realmente funciona por conta do humor e desse romance propositadamente bobinho, já que até quando tenta comentar sobre a profissão e criticar a própria indústria pelo texto, soa bastante protocolar, caindo naqueles clichês “efeito prático é bom, CGI é ruim”, “os atores não conseguem fazer suas próprias cenas” etc. Ainda que o longa seja bastante divertido, seu objetivo principal é traído por ele mesmo, talvez seja a hora de finalmente aceitarmos que Leitch é um diretor de estúdio, e apenas vislumbrarmos o que Stahelski faria com uma proposta semelhante.

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