|Crítica| 'O Auto da Compadecida 2' (2024) - Dir. Flávia Lacerda e Guel Arraes
Crítica por Victor Russo.
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'O Auto da Compadecida 2' / H2O Filmes
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Guel Arraes e Flávia Lacerda fazem da autoconsciência e da hiperestilização muletas para a replicação comercial
Falar sobre o cenário atual e o resgate de filmes com popularidade a fim de transformá-los em franquia é chover no molhado. Hollywood vem fazendo isso há anos, cada vez mais, e parte dessa produção brasileira mais comercial, que ama replicar lógicas de mercado que só fazem sentido lá e com a crise dos estúdios e da sociedade americana, que enxergam no passado e na nostalgia um lugar de conforto, adicionou à onda de cinebiografias chapa branca essas continuações meio capengas e sustentadas completamente no primeiro filme. Se Estômago 2, que também trazia de volta o diretor do original, Marco Jorge, o que vimos foi uma paródia, nem sempre intencional, do primeiro longa, com uma repetição da estrutura, mas com foco em uma tiração de sarro dos filmes estadunidenses de máfia italiana, sobretudo O Poderoso Chefão, O Auto da Compadecida 2 também parece uma espécie de caricatura, nesse caso, uma caricatura do que já era uma caricatura assumida dos estereótipos do sertão nordestino e do Brasil como um todo. Ao mesmo tempo, há também uma autoconsciência de que se trata de uma sequência do que fez sucesso, a ponto do filme já abrir com Chicó (Selton Mello) lucrando com os acontecimentos do primeiro longa, sobretudo a ressurreição de João Grilo (Matheus Nachtergaele), e repetir diversas vezes o que já aconteceu e a possibilidade de mais uma sequência.
O problema é que, assim como Estômago 2, a autoconsciência não é uma virtude por si só, tudo depende do que será feito a partir desse reconhecimento do longa como uma mera estratégia mercadológica. Guel Arraes e Flávia Lacerda apelam para a hiperestilização, para escolhas visuais tanto em computação gráfica quanto na evidenciação daqueles cenários como cenários mesmo, sem um pingo de realidade espacial, o que era bastante presente no primeiro longa. Em um primeiro momento, lembra até o que Francis Ford Coppola fez em No Fundo do Coração, com a diferença de que lá tais construções visuais e sonoras eram parte não de uma homenagem apenas, mas de uma reformulação maneirista, do reconhecimento da impossibilidade de fazer o cinema clássico, bastando então o exagero e a revelação dos artifícios do ilusionismo cinematográfico. No caso de Arraes e Lacerda, essa artificialidade pouco revela para além dessa simplificação da sequência, em parte, perdendo até as possibilidades mais imaginativas do primeiro, quando as histórias de Chicó não mais são apenas imaginadas e presas a sua narração, mas dependem de um apoio animado para tornar ainda mais clara e engraçadinha cada uma dessas passagens, uma espécie de síndrome da falta de atenção do espectador atual, que se distrai com qualquer coisa e precisa de novos estímulos frequentes para não se desligar do que é apresentado em tela.
Se a dinâmica entre Chicó e João Grilo ainda é divertida o suficiente, muito por conta da entrega dos atores e do que já estabelecido para os personagens, assim como a introdução da nova personagem Clarabela (Fabíula Nascimento) e o retorno de Rosinha (Virginia Cavendish), agora um tanto ressignificada, rapidamente a caricatura dobrada do sertão, espalhando personagens, e focando em campanhas eleitorais de personagens ainda mais estereotipados, revelam totalmente essa falta de criatividade e estrutura de roteiro, que apenas atira elementos sem desenvolvê-los, de uma sequência que só existe como nostalgia para o original e nada mais. No mais, é uma cópia dos eventos, como se isso bastasse por si. Ainda que mais bem acabada e divertida do que Estômago 2, é bem verdade que o longa de Jorge pelo menos propõe algo um pouco mais diferente, por pior que seja.