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|Crítica| 'Nosferatu' (2025) - Dir. Robert Eggers

|Crítica| 'Nosferatu' (2025) - Dir. Robert Eggers

Crítica por Victor Russo.

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'Nosferatu' / Universal Pictures

 

Título Original: Nosferatu (EUA)
Ano: 2025
Diretor: Robert Eggers
Elenco: Lily-Rose Depp, Nicholas Hoult, Bill Skarsgard, Aaron Taylor-Johnson, Willem Dafoe e Emma Corrin.
Duração: 133 min.
Nota: 2,5/5,0

 

Entre a reverência e a recusa de Robert Eggers, resta apenas imagens belas, mas esvaziadas em sentido e sentimentos

Por que filmar de novo Nosferatu? Ou melhor, por que não filmar de novo Nosferatu? Apaixonado pelo filme de 1922, dirigido por F. W. Murnau e parte importante do expressionismo alemão, Robert Eggers retorna mais uma vez o seu olhar para uma época anterior e suas lendas, agora não mais nos relatos que geram um folk horror sobre bruxaria e caças às bruxas, ou a contos de marinheiros e pescadores, mas a um romance vivo tanto na literatura, quanto no cinema. Se em O Homem do Norte buscava a lenda que foi base para uma obra muito mais famosa e adaptada para as telonas, Hamlet, de William Shakespeare, agora o cineasta se volta para adaptação cinematográfica do vampiro mais conhecido da literatura e do cinema, aquele que ganhou as telas sob um novo nome, já que os direitos da obra de Bram Stoker não permitiam o uso do nome “Drácula”. Nosferatu é então Drácula, mas não o é. Com novo nome e visual, o charme amedrontador do lorde ganha um tom muito menos humano e serviria então como uma materialização do trauma da sociedade alemã após a Primeira Guerra Mundial, acentuada também pelas sombras marcadas do filme de Murnau. Mais de 50 anos depois, Werner Herzog refaria o clássico em um cinema alemão que se reerguia não mais nos escombros da Primeira Guerra Mundial, mas como resultado de anos de um país dominado por forças estrangeiras após a Segunda Guerra. O contexto distinto permite uma nova encenação, mais suja e até bastante brutal e fantasmagórica. Nosferatu foi tema ou parte de outros filmes, mas nada relevante o suficiente para ser colocado em pé de paridade com esses dois monumentos da adaptação alemã de Bram Stoker, que nasce no cinema. Mais uma vez, por que filmar novamente Nosferatu?

Como sempre, o interesse de Eggers vem seguido de um mergulho de cabeça nos meandros daquela mitologia, a ponto de unir Nosferatu e Drácula, até no sentido mais sexual dessas figuras, e fazer questão de explicar cada detalhe que antes era apenas sugerido, como a relação entre o personagem-título e Ellen (Lily-Rose Depp), agora tendo o caráter ancestral, que antes deixava dúvidas, ganhando uma finalização respondida durante várias cenas. Se essa obsessão do cineasta por suas criações e estudos daquilo que veio antes não são novidade, e Amleth até carregava um peso histórico pelo que Hamlet se tornou, ainda havia uma liberdade maior para partir de uma criação mais pessoal, compartilhando o seu estilo bastante marcado a uma capacidade de provocar sensações, sobretudo no trato dos seres humanos perdendo a sanidade frente a uma imposição espacial e/ou social. Com Nosferatu o buraco é um pouco mais embaixo, não só porque o personagem vem carregado de um sentido histórico e social, como uma representação de diferentes tempos da sociedade alemã, como tem um peso também do próprio Drácula, que tinha em seu magnetismo e na sede de sangue a revelação de muitos medos a depender da época que fosse refeito, sendo um caso emblemático a relação do filme de 1992, de Francis Ford Coppola, e a explosão de IST no período. Como lidar então com o personagem e qual medo extrair dele para inseri-lo em um contexto atual?

Resta apenas a homenagem a Eggers, em um sentimento de reverência e recusa constante. Se por um lado se declara a Murnau, em um longa que grita Expressionismo Alemão e estilo gótico a cada plano e composição musical, em um jogo de sombras que domina a tela (a ponto da noite se transformar em um preto e branco às vezes contrastado), muito marcado principalmente na repetição da sombra do vampiro sobre suas vítimas, a imagem serve também para esconder o visual do personagem durante quase todo o longa, ainda que permita flashes que mostram uma figura bem diferente daquela que conhecemos, não mais careca, de orelhas pontudas e com apenas dois dentes, mas agora Bill Skarsgard carregado em maquiagem tem um bigode grosso, cabelo e é tão magro quanto monstruoso, cheio de marcas e feridas pelo corpo. As composições então viram um pastiche, uma espécie de homenagem esvaziada de sentido, de um Eggers que demonstra toda a sua capacidade de encenar, posicionar personagens no quadro e criar beleza pelas incisões pontuais e precisas de luz. Ele preza tanto por essa beleza, uma elevação para ser reconhecido como um autor, mas pouco permite sentir a partir de tudo que compõe, com algumas exceções, como o final, uma sinfonia precisa entre tudo aquilo que o longa tenta captar durante as outras duas horas, quando medo, sede, carnal e iluminação encontram horror e beleza no quadro. Porém, o restante sobra em códigos do gênero, como sangue, excreções e sustos, só que tudo a partir de um distanciamento imposto por essa preocupação dominante com o estilo como a verdadeira obra.

Em algum sentido, é como se Eggers referenciasse o que veio antes, muito mais Murnau do que Herzog, quando lhe convém, na busca por artifícios visuais, mas o rejeitasse sempre que aquilo soasse um pouco mais caricato para os tempos atuais, sobretudo no esconder Nosferatu e mudar o seu visual para algo, supostamente, mais assustador e menos “ridículo” para o público contemporâneo. Tal contradição se debruça sobre o longa, já que, na tentativa de soar mais palatável para espectadores encantados com qualquer contra-luz e dependentes de um realismo imposto por Hollywood, tudo que envolve as bases da narrativa, Nosferatu e Ellen, são ainda mais caricatos do que o filme de 1922. A voz modificada e cheia de sotaque do vampiro ou a performance nos pesadelos sexuais da donzela nada em perigo (uma subversão que Eggers tenta fazer criando uma mulher repleta de desejos eróticos, mas que, ao final, cai para uma histeria típica de como o cinema quase sempre as representou) aos poucos vão ganhando um ar de comicidade não intencional. Mais do que isso, Eggers impõe aos personagens a personalidade do longa como um todo, mas tanto um quanto o outro não poderiam ser mais sem sal, até em suas escolhas visuais. Ao espectador resta acompanhar aquelas belas imagens em continuidade e nada mais. Um prato bonito, mas sem tempero.


 

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