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|Crítica| 'Napoleão' (2023) - Dir. Ridley Scott

|Crítica| 'Napoleão' (2023) - Dir. Ridley Scott

Crítica por Victor Russo.

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'Napoleão' / Sony Pictures

 

Título Original: Napoleon (EUA)
Ano: 2023
Diretor Ridley Scott
Elenco : Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, John Hollingworth e Youssef Kekour.
Duração: 158 min.
Nota: 3,0/5,0

 

Em um filme que pouco diz em palavras, a imagem se torna o artifício de construção dessa figura a ser observada, ainda que muito se perca em tanto cinza

Falar sobre Napoleão Bonaparte em uma cinebiografia que vai desde a sua ascensão no final da Revolução Francesa até a sua morte está longe de ser uma novidade. O general e imperador francês não só é uma das figuras que mais recebe atenção nos livros de história, mas também teve diversas abordagens cinematográficas dispostas a investigar toda sua trajetória, sendo a de Abel Gance a mais longa e poderosa. Diferente de Gance, Ridley Scott não tem a intenção de retornar à infância de Napoleão, mas de olhar para este como uma figura até bem enigmática. Ao mesmo tempo, tanto o filme de 1927 quanto o de 2023 compreendem o potencial da imagem cinematográfica para construir uma figura histórica, com direito aos dois filmes revelando logo de cara toda a visão estratégica do protagonista dessa forma, por meio da execução de um plano de combate e sem dizer muita coisa. Não à toa, o filme de Gance é sempre lembrado por seus experimentos com a imagem, com direito a um widescreen (quando isso nem existia basicamente) ao unir três planos em um só. O filme de Scott até se esforça para fazer algo semelhante, mas fica preso demais a uma tendência dos estúdios hollywoodianos para ter algum tipo de experimentação mais própria.

Vemos então um olhar para quem foi Napoleão, não necessariamente seguindo uma fidelidade dos livros de história, apesar de passar por momentos e batalhas importantes. Também não a fim de fazer algum julgamento moral, por mais que os créditos finais exponham em números toda a destruição causada pelo militar. A verdade é que Scott está realmente mais preocupado em fazer essa observação silenciosa, da grandiosidade da mente deste homem, passando pelo seu amor confuso até tudo que há de mais mesquinho e pequeno (não literalmente). Pouco é realmente dito na construção do personagem de Joaquin Phoenix, os diálogos parecem mais dispostos a situar eventos e momentos do tempo, só que quase nunca buscam dizer o que Napoleão pensa ou sente. É uma construção atenta e multifacetada que só será percebida pela imagem, seja nos enquadramentos ou nas escolhas de decupagem. É o foco na assinatura que aparecerá de outra forma anos mais tarde, o close que capta tudo que o personagem sente sem nunca expor, a forma como ele aparece em planos abarrotados de pessoas, às vezes cercado, às vezes dominante, ou mesmo as guerras e como seus planos são executados, gerando destruição atrás de destruição. Mais do que um homem, Napoleão vira essa figura que se sente intocável, capaz de destruir como um objetivo maior, mas sem nunca deixar sua verdadeira paixão fora da equação. E vemos tudo, pelo íntimo dos planos fechados ou o que há de mais épico na exposição das mortes constantes nas batalhas.

Entretanto, é justamente por toda essa percepção de construir o protagonista por meio da imagem a ponto de quase torná-lo a imagem em si, que se ficam tão dolorosas as escolhas ou falta delas na hora de dar vida a tudo que há de mais visual. Se o som tem um papel fundamental e bem pensado ao destacar sutilmente as mortes e tiros ao fundo, muitas vezes quando vemos Napoleão despreocupado ou feliz em primeiro plano, a imagem em si parece ter sido tirada de qualquer filme da Marvel ou outro longa de grande orçamento de um filme hollywoodiano. Não há uma preocupação estética que fortaleça a escolha pelo cinza, pouco diz sobre o personagem em si e até tira muito do impacto mais contraditoriamente humano e vil do personagem, seja quando o vemos em sua relação mais íntima com Josephine (Vanessa Kirby), amor que nunca explode em tela justamente pela falta de vida imagética, ou mesmo no que deveria haver de mais brutal das guerras. O sangue é cinza, o casaco azul e vermelho é cinza, a bandeira da França é cinza. Quando não, somos jogados em mais uma convenção pouco efetiva, a de tornar tudo laranja países teoricamente mais quentes. Assim, toda a construção desse personagem que somos chamados a observar e perceber pela imagem, acaba sendo refém da mesma imagem, que enquadra e decupa, direcionando o nosso olhar, mas, quando realmente vemos, esse fascínio vai embora.

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