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|Crítica| 'Nada Será Como Antes- A Música do Clube da Esquina' (2024) - Dir. Ana Rieper

|Crítica| 'Nada Será Como Antes- A Música do Clube da Esquina' (2024) - Dir. Ana Rieper

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina / Sessão Vitrine

 

Título Original: Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina (Brasil)
Ano: 2024
Diretora: Ana Rieper
Elenco : -
Duração: 79 min.
Nota: 3,0/5,0
 

Da juventude ao amadurecimento musical, Ana Rieper faz um filme que cresce junto à história que carrega, dando vida ao companheirismo do álbum que marcou o Brasil

Nas escadas que criaram o encontro entre Lô Borges e os meninos que cresceram e amadureceram na esquina, começa a ser contada a história de um álbum que marcou a história da música do Brasil. Essa escolha bastante linear entrega também a narrativa àqueles que a conhecem como ninguém, os que viveram cada pedaço dela. Não há narradores ou algo que tente guiar os fatos, são as vozes dos próprios membros do Clube que dizem livremente como tudo se passou, muitas vezes em entrevistas mais tradicionais de documentários, em outras tocando juntos ou numa mesa de bar. A atmosfera mais descontraída é fundamental para dar vida às lembranças, que eles partilham com a equipe de filmagens e com o espectador sem um intermediário claro, como papos para a câmera que existem simplesmente para registrar para sempre uma vida marcada pela música, ou uma música marcada por vidas. A troca do patinete por moedas que acontece na infância, as primeiras idas à esquina, o dia que Milton Nascimento percebe que Lô cresceu, são momentos narrados com ternura e que declaram que a alma do Clube da Esquina sempre foi o companheirismo, a amizade entre todas aquelas pessoas. E é dessa mesma forma que Ana Rieper conduz seu filme, ainda que sua estrutura seja bastante comum aos documentários, com entrevistas protocolares de planos estáticos em uma figura por vez, o que lhe dá realmente vida é o fato de conseguir extrair de todos ali suas diferentes personalidades, deixando fluir livremente em seus discursos e interações como cada um, à sua maneira, formou aquele álbum.

Uma cena em especial une muitos dos Borges em uma sala com piano e violão, enquanto eles tocam Para Lennon e McCartney e a outra câmera inserida no filme mostra toda equipe integrada ao momento. Todos cantam, em dado momento, as duas mãos que tocavam o piano se tornam quatro, a história de como surgiu essa música, das influências e sentimentos de cada um, se dissolve e se torna o próprio som. Essa sequência registrada em lentes diferentes resume bem como o documentário consegue transmitir a própria essência do Clube da Esquina, músicas criadas por muitos, que são de todos, que carregam bagagens, mas, que, no fim, são puramente uma diversão entre amigos. A esquina física descrita por esses homens, que segundo eles foi um lugar de amadurecimento, a primeira bebida dividida e o fazer música juntos, tudo é bastante sério e ao mesmo tempo quase uma brincadeira. Existe um fundo político, de movimento estudantil, uma grande referência tirada dos cinemas, uma boa parcela estrangeira, dos Beatles ao Genesis, mas também do batuque dos terreiros, das vivências que cada um trouxe. Cada músico que formou o Clube trazia sua experiência, algo novo que tinha aprendido ou conhecido, muitas coisas eram rejeitadas e depois compreendidas, o processo que torna a esquina em um estúdio de gravação é toda uma jornada de crescimento que formou esses homens como pessoas e como músicos, que apurou seus gostos e levou à criação de um som muito único. 

Ana Rieper parece compreender muito bem essa essência e por isso, ainda que bastante tradicional e fechadinha às vezes, sua narrativa permite esses respiros em que os entrevistados fluem ou suas músicas preenchem as ruas que as ajudaram a nascer. São esses os momentos mais marcantes e importantes do filme, em que o coletivo e companheirismo que formou esse álbum e essas vidas é mais importante que contar a história somente de forma protocolar. Tudo que é dito aqui não aparece em imagens de arquivo, talvez nem tenha sido registrado realmente, então só pode ser criado pela imaginação enquanto as vozes descrevem situações. A grande responsabilidade que é documentar essa parte importantíssima da música do Brasil, se vale desses pontos fortes para estabelecer uma conexão maior, sendo menos interessante quando as entrevistas se demoram em momentos menos criativos.

Ao chegar ao ponto da gravação em estúdio, é quase como se pudéssemos imaginar mais de 50 pessoas no processo, entrando e saindo de salas e compondo. Os meninos cresceram e há tanto de cada um deles, tantas adições e personalidades que até para eles é impossível definir quem fez qual música ou qual instrumento cada um tocou, é tudo uma obra criada a muitas mãos, de muitas cabeças, livre de egos, só pessoas se divertindo e fazendo um som que carrega tudo que elas já escutaram e viveram. É muito Minas Gerais, é bastante Brasil, um pouco de tudo que se mistura lá fora, mas essencialmente um álbum feito por pessoas que se adoram e amam a música. Em muitos depoimentos é possível ver como também eram obcecados por apreender, agregar experiências e trocar com seus colegas e é assim que Nada Será Como Antes - A música do Clube da Esquina ganha muito ao se colocar humildemente como registradores de uma história maior que seu filme e, dessa forma, deixa que toda vida que corre ali dentro das músicas preencha sua tela. 

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