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|Crítica Mostra 2023| 'Zona Crítica' (2023) - Dir. Ali Ahmadzadeh

|Crítica Mostra 2023| 'Zona Crítica' (2023) - Dir. Ali Ahmadzadeh

Crítica por Victor Russo.

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'Zona Crítica' / Ali Ahmadzadeh

 

Título Original: Mantagheye Bohrani (Irã)
Ano: 2023
Diretor: Ali Ahmadzadeh
Elenco : Amir Pousti, Shirin Abedinirad, Maryam Sadeghiyan e Alireza Keymanesh.
Duração: 99 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Ali Ahmadzadeh embriaga o espectador como uma fuga sensorial de um mundo caótico e vigiado

Vencedor do Leopardo de Ouro em 2023, prêmio máximo do Festival de Locarno, "Zona Crítica" até parte de um protagonista teoricamente semelhante aos do cinema iraniano. O carro como esse espaço de conversa sobre aquela realidade, enquanto esse mundo se move rapidamente pelas janelas ao mesmo tempo que os personagens seguem estáticos, é um dispositivo discursivo bastante efetivo em filmes de Abbas Kiarostami (sendo "Dez" o que ele torna essa escolha o centro narrativo), Jafar Panahi (Taxi Teerã se apropria bem dessa dinâmica), Asghar Farhadi, Panah Panahi entre outros. Entretanto, quase sempre esse lugar em movimento é visto com uma certa contemplação filosófica e muitas vezes crítica ao país, sobretudo no cinema do Panahi pai. 

Ahmadzadeh se apropria desse mesmo espaço dramático, mas sua preocupação é outra. Não que o filme seja apolítico, longe disso, ter um protagonista traficante (ou drug dealer) em um país igual ao Irã e nunca repreendê-lo narrativamente já soa provocativo o suficiente. Ao mesmo tempo, Amir (Amir Pousti interpretando uma versão dele mesmo provavelmente) está sempre de olho na fiscalização e polícias avisadas pelo Waze, ou pelo menos quando seu estado físico permite isso, confrontando assim a autoridade do país e a noção dos costumes. Só que esse enfrentamento é muito mais uma consequência sutil do que a razão do filme existir. Isso porque o cineasta está muito mais preocupado em anestesiar o espectador e todos os personagens nesse mundo caótico em que vivemos.

Ao não ignorar o tema, mas torná-lo secundário, "Zona Crítica" se transforma nessa jornada psicodélica de um dia na vida do protagonista, que, no fim, é só alguém querendo sobreviver, sem maldade, ajudando até algumas pessoas e apaixonado pelo seu cachorro (ainda que não exerça a função pai de pet com muita responsabilidade). As drogas ganham então mais do que um caráter subjetivo, viram parte do discurso cinematográfico ao embebedarem a narrativa com essa falta de clareza nos sentidos. A preocupação é sobretudo sensorial, o cinema direto e não tão reflexivo. O jogo imagético ganha esse caráter desesperador, sobretudo ao vermos Amir dirigindo em alta velocidade entre os carros, mas também de relaxamento, nas conversas com as pessoas que passam pelo carro como passageiro, atingindo até um caráter de prazer sexual, uma espécie de excitação compartilhada, mas sem o toque.

Em certo sentido, há um afastamento para com o mundo fora desse carro, como o som abafado que maximiza apenas o que é dito ali dentro, com um realce para a voz do Waze, o direcionador do caminho de Amir, que segue aquela rota cegamente e de forma protocolar. O mais poderoso dessa hiperestilização de Ahmadzadeh é a falta de arrogância com que ele rompe os elementos mais clássicos. Assim, um contraplano visto pelo retrovisor com o restante embaçado não parece uma exaltação estética, mas um movimento natural com a mise-en-scene proposta desde o início.

Dessa forma, "Zona Crítica" parece transgredir o cinema iraniano, não a fim de superá-lo, mas de dar uma carga mais direta aos elementos já estabelecidos. O carro, o país, os não atores (um belo uso aqui por sinal) continuam lá, mas no fundo, Ahmadzadeh só quer se anestesiar pelo uso das drogas e mandar todo mundo se f… igual a personagem de Shirin Abedinirad após uma catarse de adrenalina. É o cinema que sente e nos faz sentir juntos, uma rejeição ao caos que não podia ser mais desesperadora. No final, não dá para fugir muito da loucura nos espaços urbanos, mas dá para passar por ela tentando se estressar o mínimo possível por conta dos entorpecentes.

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