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|Crítica Mostra 2023| 'Pedágio' (2023) - Dir. Carolina Markowicz

|Crítica Mostra 2023| 'Pedágio' (2023) - Dir. Carolina Markowicz

Crítica por Victor Russo.

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'Pedágio' / Paris Filmes

 

Título Original: Pedágio (Brasil)
Ano: 2023
Diretora: Carolina Markowicz
Elenco : Maeve Jinkings, Kauan Alvarenga, Thomás Aquino e Caio Macedo.
Duração: 101 min.
Nota: 2,5/5,0
 

Com cara de primeiro filme, Carolina Markowicz enfraquece a aridez realista do seu cinema ao abraçar uma paródia mais direta que pouco conversa com o restante esteticamente

Começar a carreira com um filme como "Carvão" é uma raridade para a filmografia de qualquer cineasta. A encenação distante e bem definida era marcada por um afastamento emocional daqueles personagens para com o mundo, enquanto os temas apareciam quase como segredos, na sutileza dos atos, do não ligar ao queimar uma pessoa ou um assassinato cometido sobre símbolos religiosos, os quais aqueles personagens supostamente veneravam. A habilidade para constituir uma mise-en-scene própria e bastante brasileira é de uma maturidade pouco vista em iniciantes. Carolina chamou atenção e não tinha como ser diferente.

Para além daquela expectativa, que geralmente mais atrapalha do que ajuda ao espectador, "Pedágio" não vinha com a obrigação de superar ou se igualar ao seu predecessor, mas com a possibilidade de ver o desenvolvimento dessa cineasta tão talentosa e sua estética ao retratar a realidade do brasileiro pobre e vivendo à margem dos grandes centros. Cubatão, cidade conhecida por suas usinas e por um passado sombrio como consequência da poluição, vira o palco aqui para mais um microcosmo particular. 

A mãe (Maeve Jenkins) que trabalha no pedágio, lugar que dá uma falsa sensação de controle para quem vai ou não seguir em frente, traz esse peso da realidade, espelhando em algum sentido a praticidade e falta de ilusão da personagem que a própria Maeve interpretou em "Carvão". Isso fica claro logo de cara quando termina sem nem pestanejar o relacionamento com o namorado (Thomás Aquino), quando descobre que ele rouba. Ela chora depois, demonstra a dor do ato, mas não volta atrás na decisão até descobrir que o homem pode ajudá-lo. Ao mesmo tempo, o seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga), estudante, gay, trabalhador e que faz vídeos para a internet, sua maior paixão, parece incomodá-la menos por sua sexualidade e mais por como os colegas de trabalho enxergam o garoto e comentam pelas costas da mãe. Mais uma vez, Suellen age de forma pragmática, de acordo com seus interesses.

O mesmo realismo de "Carvão" aparece também aqui, tanto na estética dessa vida e trabalho, quanto no distanciamento emocional de personagens que não se conversam. O contraste visual até é claro entre a vida de Suellen e os vídeos coloridos de Tiquinho, mas tal mudança não foge desse tom mais sóbrio que o filme vai adotar para representar essa realidade. Entretanto, ao contrário do primeiro longa, a brutalidade daquelas personagens não passam impune do julgamento da diretora, pelo menos não depois de surgir a figura do pastor Isac (Isac Graça), que está mais para guru espiritual. Se toda a hipocrisia de Suellen e sua amiga Telma (Aline Marta Maia), nesse contraste entre o sagrado que a religião propõe e os atos delas, é mais resultado de uma visão intrínseca ao conservadorismo brasileiro, o surgimento de Isac muda completamente não só o tom e a mise-en-scene do longa, como, principalmente, a visão de Carolina para os personagens e os temas que pretende abordar.

Esse surgimento de um novo filme dentro daquela diegese mais parece uma escolha de cineasta iniciante do que de uma diretora do calibre da Carolina. Falar sobre esses falsos pastores que lucram disseminando homofobia obviamente é um tema atual e extremamente relevante. Porém tal abordagem de ridicularização parece pertencer a outro filme, algo na linha de "Medusa", de Anita Rocha da Silveira, que assume essa caricatura da extrema-direita desde o início como parte integral da sua mise-en-scene. Ao alterar o tom do filme apenas no "curso", abraçando uma espécie de comédia pastelão com humor de quinta série (piadas atrás de piadas com os órgãos sexuais), Carolina trai toda a construção do que cerca esse microcosmo. Mais do que isso, ela trai também a própria Suellen, que deixa de ser aquela personagem pragmática para se tornar alguém ingênua a ponto de acreditar no usucapião do demônio e em suco de libido.

Ao tirar a sutileza da equação e adotar a caricatura em apenas momentos específicos, Carolina acaba jogando os personagens humanos daquela realidade específica para o lugar problemático de encarar todos os pobres como ignorantes inferiores. O tema se perde, a mensagem que vira o foco se torna conflitante e, o mais importante, o impulso pela "crítica social foda" sacrifica toda a unidade estilística de uma cineasta com talento de sobra para estabelecer e desenvolver uma narrativa por meio da sua mise-en-scene.

 

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