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|Crítica Mostra 2023| 'Anselm - O Barulho do Tempo' (2023) - Dir. Wim Wenders

|Crítica Mostra 2023| 'Anselm - O Barulho do Tempo' (2023) - Dir. Wim Wenders

Crítica por Raissa Ferreira.

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'Anselm - O Barulho do Tempo' / Wim Wenders

 

Título Original: Anselm - Das Rauschen der Zeit (Alemanha)
Ano: 2023
Diretor: Wim Wenders
Elenco: Anselm Kiefer, Anton Wenders e Daniel Kiefer.
Duração: 93 min.
Nota: 3,5/5,0

 

Wim Wenders usa o 3D para explorar a dureza das obras, materiais e de seu objeto de observação, o artista Anselm Kiefer, do qual mantém uma distância quase mitológica 

Em poucos segundos é possível compreender que “Anselm - O Barulho do Tempo” não é apenas um filme que precisa do 3D, mas que também existe de uma forma muito maior numa sala de cinema, com uma boa projeção que valorize todo o trabalho que Wim Wenders empregou em sua construção. As esculturas de vestidos, que denotam formas bastante rígidas, são cercadas por sussurros, como se cada peça ali fosse um fantasma de outro tempo, matérias de almas aprisionadas por formas esculpidas, permanentemente exibidas. Aos poucos, o longa introduz visualmente o artista Anselm Kiefer, e posteriormente sua jornada. Mas, nunca é a intenção que a obra de Wenders se aproxime internamente desse homem, entenda seu psicológico, seus sentimentos e complexidades. Tudo é contado com um ar mitológico, como se Anselm fosse uma lenda a ser contemplada e não compreendida. Assim, existem muitas nuances em seus posicionamentos, passados e presentes, que não oferecem algum julgamento ou conclusão sobre o que o artista acredita, tudo é colocado como mais um tijolo na construção dessa pessoa, além do humano, como criador e parte de uma memória histórica. Wenders traça essa narrativa acompanhando a da própria Alemanha e sua destruição, num tom soturno, muitas vezes, que com sua ambientação poética se torna uma observação fascinante sobre o que concretamente forma a história.

Sem usar entrevistas, praticamente, o diretor deixa as obras do artista falarem por si, costurando pedaços de sua vida em reconstruções inseridas estrategicamente e com registros do passado de Anselm. A presença das obras é sempre acompanhada de um forte trabalho de som, que mais uma vez é sustentado por uma boa condição na hora de assistir, quando vozes cercam a sala, expandindo a consciência do 3D para mais esse elemento do cinema. Da mesma forma, a câmera de Wenders caminha sem pressa por cada espaço, memória ou objeto, cercando e tentando captar cada detalhe. Tudo isso colabora na aura mística que “Anselm - O Barulho do Tempo” pretende passar, é claro que não há a intenção de endeusar o artista aqui, mas a falta de aproximação de seu lado mais humano, mesmo que olhemos para sua infância e outros pontos pessoais, aliada à toda intenção visual, o coloca nessa posição de uma figura que não precisa ser desvendada, mas que já tem seu espaço na história. Talvez declare uma admiração pessoal do próprio diretor, mas também serve como uma exposição cinematográfica do legado de Anselm Kiefer.

Não fugindo completamente das estruturas mais tradicionais do documentário, Wenders também faz o uso de noções de tempo e espaço, situando os lugares de trabalho em que Anselm esteve, e em quais períodos, dentro dessa proposta mais concreta de seu longa. Dessa forma, as estruturas são sempre muito privilegiadas visualmente, paredes, tijolos, chão, como a luz preenche ou se projeta em tudo que está de pé ou em ruínas. As obras já finalizadas são retratadas do mesmo jeito, usando o 3D para ressaltar seus formatos, sempre flertando muito mais com sua dureza, de vestidos que parecem pedra pura até asas que jamais teriam leveza para voar. Já quando o artista elabora seus quadros frente às câmeras, a maleabilidade dá um pouco as caras, no fogo que dá formas mais orgânicas, e no manejo dos materiais que parecem entregar liberdade a esse homem quase feito de pedra também.

Ainda que busque esse resgate ao passado, como entregando a Anselm a chance de se reencontrar com seu eu da infância, passando por como tudo que o formou faz parte de suas obras, não existe uma brecha para uma relação íntima ou empática com esse objeto de estudo, o veremos como parte de uma mitologia criada por Wim Wenders, mas que também é um pedaço concreto da realidade, da história da arte e da Alemanha, tão material quanto suas criações artísticas. O sentir, que não é palpável, fica por conta desse olhar tão fascinante do diretor, que transforma cada peça em algo mágico, as registrando (principalmente no uso do 3D) como quem quer guardar suas impressões mais reais do que é possível enxergar, pois objetos assim tão duros não existem além desse mundo que podemos tocar. 

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