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|Crítica Mostra 2023| 'Afire' (2023) - Dir. Christian Petzold

|Crítica Mostra 2023| 'Afire' (2023) - Dir. Christian Petzold

Crítica por Victor Russo.

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'Afire' / Imovision

 

Título Original: Roter Himmel (Alemanha)
Ano: 2023
Diretor: Christian Petzold
Elenco : Thomas Schubert, Paula Beer, Langston Uibel, Enno Trebs e Matthias Brandt.
Duração: 103 min.
Nota: 4,5/5,0

 

Christian Petzold coloca o seu protagonista-observador masculino em crise ao não só ser reconhecido, mas, principalmente, ser impedido de fazer parte do que vê

Um dos grandes nomes do cinema contemporâneo, não é novidade o quanto Petzold olha para o cinema hitchcockiano em seu melodrama e sobretudo no voyeurismo de um protagonista masculino reconhecido pela mulher observada, sendo tirado assim do seu lugar cômodo de observar sem ser observado (em uma relação clássica com o espectador vendo um mundo do lugar seguro do escuro do cinema), ao mesmo tempo em que insere essa dinâmica de olhar em um contexto da alemanha e o seu passado (sua obra-prima “Phoenix” talvez seja o melhor exemplo disso). “Afire” vai se inserir em uma dinâmica parecida, com o Leon (Thomas Schubert) olhando para Nadja (Paula Beer), inicialmente de longe, fugindo de qualquer olhar de volta. Entretanto, Leon não é apenas reconhecido pelo seu objeto de visão, como também, e diferente do protagonista hitchcockiano clássico e muito comum no cinema do alemão, ele tem o seu direito tirado de fazer parte daquele mundo.

Então, se no começo ele olha Nadja ou vê Devid (Enno Trebs) sem ser reconhecido, esse jogo muda quando acorda com a mulher olhando para ele ou quando o segundo lhe diz que o viu dormindo na praia. A partir do momento em que Leon passa a chamar atenção, perdendo esse posto de observação segura, justificado pelo filme como “tenho muito trabalho a fazer”, ele tenta se inserir naquela dinâmica que se estabelece diante de seus olhos, mas é constantemente rejeitado, quando não, se boicota. Felix (Langston Uibel) e Devid rapidamente se aproximam, e, mesmo não fazendo parte mais de um interesse amoroso, Nadja ainda mantém essa amizade próxima do casal. Até o editor (Matthias Brandt), que teoricamente seria próximo apenas de Leon, imediatamente o abandona para ser aceito por esse grupo. Como o fogo que queima a todos, o protagonista se transforma nesse mar, incapaz de se misturar.

Assim, apesar do contexto semelhante ao cinema de Rohmer, da casa de veraneio, passando pelos personagens conversando até essa falta de um grande objetivo, como se é comum nas férias, Petzold vai mirar mesmo na dinâmica hitchcockiana, a moldando para um observador em crise e, sobretudo, encontrando espaço para a natureza do seu país ser a causa do melodrama mais puro nos momentos finais dessas férias. 

Leon, então, incapaz de participar, prefere se tirar da equação, aceitar o seu papel de sujeito incapaz de alcançar a sua musa. Resta-lhe apenas o papel de contar aquela encenação da qual ele era figurante, e, só quando o seu lugar de fora é estabelecido que Nadja se vira para ele e reconhece seu posto nessa narrativa, com o charme doloroso dos segundos finais, muito comuns nos filmes de Petzold, mas também como a princesa da poesia que ela faz questão de contar duas vez só para reforçar a Leon o seu papel de espera para ser reconhecido.

Petzold assim chega ao mais extremo do seu cinema e talvez ao limite do observador hitchcockiano. Não um limite que se apresenta esteticamente de forma chamativa, como o inigualável De Palma o faz em seu maneirismo, mas a um entendimento da posição desse protagonista masculino, em um filme que pode soar simples em sua mise-en- scéne, mas que se mantém rigoroso à posição desse personagem, restringindo a decupagem a vermos Leon ou o que ele está observando. Ele controla a decupagem, só não tem esse mesmo poder na hora de inserir naquele grupo que o chama e o rejeita ao mesmo tempo.

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