|Crítica| 'Morte no Nilo' (2022) - Dir. Kenneth Branagh
Crítica por Victor Russo.
'Morte no Nilo' / 20th Century Studios |
“Morte no Nilo” acerta ao colocar o espectador ao lado de Poirot na resolução do mistério, justamente o que falta a seu predecessor.
“Entre Facas e Segredos” parece ter finalmente dado a injeção de ânimo que o gênero de mistério policial precisava. Por mais que histórias do Sherlock Holmes sejam contadas aos montes no cinema, é inegável que o mistério estava em baixa há décadas, considerado por muitos estúdios como produções de risco.
Eis que chega então “O Assassinato no Expresso do Oriente”, em 2017, a segunda versão do livro de Agatha Christie para os cinemas, e faz um dinheiro considerável, garantindo uma sequência, apesar de não ter conquistado tanto o público. Dois anos depois e reverenciado as obras de Christie, mas com uma história original, Rian Johnson finalmente deu o pontapé que o gênero precisava. Isso porque, “Entre Facas e Segredos” não só capta melhor a essência da escritora do que o filme de 2017, como também se insere bem na lógica atual do cinema, sobretudo em como trabalha o suspense e o humor até meio satírico. E vira um grande sucesso de público.
Com isso, “Morte no Nilo” chega em um cenário bem mais cômodo do que seu predecessor e Kenneth Branagh parece ter aprendido com muitas de suas escolhas para o desenvolvimento da narrativa de “O Assassinato no Expresso do Oriente”. Se lá, ele parecia mais preocupado em ostentar sua estética, com uma fotografia colorida e chamativa, belos figurinos e direção de arte, mas pouco fazia para situar o espectador com informações necessárias para seguir o pensamento de Poirot (o que a primeira versão de 1974, de Sidney Lumet tinha feito bem melhor), em “Morte no Nilo” o diretor se sai melhor ao construir uma narrativa visual e integrada.
Ele continua, claro, esbanjando seu estilo, é um filme vistoso, seja no trabalho de cores, figurinos, CGI estilizado e propositalmente artificial e principalmente no quanto ele transpira riqueza (no sentido de dinheiro mesmo). Só que isso tudo se torna parte da narrativa, quando o dinheiro move todas aquelas personagens e a ambição torna todos eles suspeitos para o detetive (de bigode espetacular).
Branagh, então, acha o equilíbrio entre o seu estilo e o contar a história. Dono de longas deslumbrantes, sobretudo em adaptações de obras atemporais, como “Hamlet” e “Frankenstein”, o cineasta sempre se saiu bem quando teve controle sobre a produção e a capacidade de fazer dela algo grandioso. Entretanto, quando amarrado por grandes estúdios, principalmente a Disney, suas obras soavam para lá de genéricas, como em "Cinderela" ou, principalmente, “Artemis Fowl”. O mesmo ocorre, em certa medida, com “Thor”, no qual até vemos um pouco do dedo do diretor ao compor grandes arquiteturas, mas rapidamente ele é podado pela fórmula Marvel.
Em “Morte no Nilo”, Branagh está livre para esbanjar novamente e se delicia o fazendo, não só visualmente, mas também na escolha de seu grande elenco. Só que, dessa vez, esses personagens recebem suas devidas apresentações e assim fica mais fácil entender o porquê de Poirot considerá-los suspeitos.
Mais do que isso, o diretor é capaz de apresentar mais informações, não só em diálogos, mas principalmente por meio da decupagem ou ao manipular o foco do plano. Então, se em alguns momentos ele corta para um olhar malandro ou um objeto meio escondido, em outros ele coloca um personagem em foco, só que guarda a pista em um olhar ou gesto de um segundo personagem ao fundo. Assim, ele cria uma divertida teia de pistas ou pistas falsas para desvendarmos, exigindo, muitas vezes, da atenção do espectador aos detalhes ao invés de recorrer a uma exposição barata.
E o interessante é ver Branagh fazendo um bom uso da linguagem cinematográfica para criar sua narrativa, mas, ao mesmo tempo, não tendo vergonha alguma de ser um filme quase literário, respeitando todas as regras criadas pela “rainha do mistério”, até mesmo mantendo a época em que o livro se passava, o que vai na contramão dos poucos filmes recentes do gênero.
É só olharmos para obras como “Sherlock Holmes” (2009), a popular “Lupin” ou o próprio “Entre Facas e Segredos”, e percebemos que todas essas obras tentam subverter de alguma forma o romance clássico de mistério, seja ao se situar em um tempo presente, usar a literatura só como referência ou transformar a obra em um outro gênero, como a ação. Branagh se arrisca nesse sentido ao se manter fiel ao original tanto em tempo quanto em narrativa.
De certa forma, “O Assassinato no Expresso Oriente” soa quase como um teste para o diretor se conhecer nesse novo gênero que deseja adaptar para os cinemas. Nesse sentido, “Morte no Nilo”, de 2022, deixaria Agatha Christie muito mais feliz do que o longa de 2017. Agora é torcer para o mistério seguir ganhando espaço em Hollywood novamente.