|Crítica| 'Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um' (2023) - Dir. Christopher McQuarrie
Crítica por Victor Russo.
'Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte Um' / Paramount Pictures
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Christopher Mcquarrie conduz com fluidez a ação constante ao trazer o impossível a cada esquina
Apesar de chegar ao sétimo filme, “Missão Impossível” trilhou um caminho meio incomum que permitiu à franquia sobreviver e crescer por quase 30 anos (e ainda tem fôlego de sobra para existir por muito tempo). Se os três primeiros filmes compartilham um ou outro elemento, sendo as máscaras e o protagonista os principais, e até funcionam como sequências em um mesmo universo, o tom de cada um deles é completamente diferente. Consequência não só da mudança de diretores, mas, principalmente, da escolha de diretores autorais (sobretudo os dois primeiros), o 1 segue o caminho do thriller de espionagem (Brian De Palma), o 2 vai para uma ação mais espalhafatosa (a marca de John Woo), até que o 3 (JJ Abrams) diminui o prazer pelo impossível ao se colocar em um caminho mais sóbrio, realista e genérico (o mais sem personalidade de toda a franquia, apesar do excelente vilão de Philip Seymour Hoffman).
Assim, após um hiato de cinco anos, Brad Bird assumiu o posto por um filme e sua marca foi a grande virada que a franquia precisava. Não só as consequências e personagens entre filmes começaram a ser mais frequentes desde então (antes era tudo meio episódico, com exceção de um ou outro personagem), como foi ele quem jogou a franquia nessa lógica de uma ação cada vez maior. Chega então Christopher McQuarrie, que não só dá continuidade à proposta de Bird, mas a molda para uma perspectiva da ação constante. O drama dos personagens e o funcionamento da agência e do caso da vez seguem presentes, mas eles se tornam submissos a uma ação que move a trama, e não o contrário (um olhar para o cinema de Charles Chaplin, Buster Keaton e afins). Nesse sentido, o quinto funciona quase como um (ótimo) ensaio para o que viria a seguir, quando o sexto chega para colocar a franquia em outro patamar, sem medo algum de se tornar grande demais (o melhor dos seis, até então, e talvez ainda siga sendo).
Chegamos então a um sétimo filme que se adequa nessa proposta de McQuarrie, mas sem nunca apenas replicar o que foi feito antes. Talvez o escopo do anterior não esteja totalmente presente aqui, assim como há um interesse maior no drama de cada personagem, não à toa é o filme da franquia que mais busca rostos em primeiro plano. É como se o diretor e roteirista entendesse que não há nada grande demais que Ethan Hunt não pudesse superar, virando-se então para o entendimento das mudanças sócio-tecnológicas e o tempo como maior inimigo aqui. O filme olha para trás como fazendo uma reverência ao caminho trilhado até aqui na franquia, enquanto interliga esse passado-personagem a um vilão extremamente atual e novo em Missão Impossível. Se o sindicato parecia um problema que Hunt precisava entender para tentar vencer, fugindo do seu lugar habitual, a Entidade de agora se apresenta, pela primeira vez nessa série de filmes, como imbatível. A pergunta se volta para os diversos escopos que o filme se joga, do mais íntimo (o trauma do passado) ao mais grandioso (sequência do trem), Hunt será capaz de vencer o destino?
Assim, o longa nos faz perceber que Hunt, por mais infalível que pareça, tem um padrão de execução. Mesmo a forma como improvisa e usa as suas habilidades pode ser prevista de alguma forma. Ele não é tão imprevisível quanto pensa e uma inteligência artificial (produto de um tempo posterior à Hunt) vem para mostrar isso. Cabe ao protagonista mais uma vez se adaptar, só que o caminho agora é muito mais complexo. Enquanto o longa sempre anda por meio desse olhar para trás e para frente (um vilão do passado combinado a um do futuro, a tecnologia segue presente, mas é preciso pisar no freio e abrir mão de parte dela), pela primeira vez sentimos a sensação de que essa não é apenas a missão impossível da vez. Por mais que a franquia leve Hunt ao sobrehumano para resolver suas missões, sempre temos a sensação de que no final tudo vai dar certo. Não dessa vez. É o primeiro filme em que não importa o quanto Ethan Hunt-Tom Cruise corra, ele parece nunca ser capaz de vencer o seu antagonista.
Dessa forma, McQuarrie pode até diminuir o escopo da ação para adotar um tom mais íntimo (se é que podemos chamar assim), mas isso não quer dizer que ele altere a sua condução por meio da ação. Se “Missão Impossível 7” funciona tão bem dramaticamente é justamente porque ele encontra uma fluidez de movimento nessa ação constante. Mais uma vez a construção de personagens e os desdobramentos da história servem à ação, são essas sequências frenéticas que fazem o filme avançar, como se cada pausa para reajustar os elementos da trama fosse só mais um convite para a sequência seguinte.
Essa ação “menor” então está mais relacionada a não ter algo do tamanho da perseguição de helicóptero do sexto, por exemplo, ainda que aqui tenha grandes momentos (sequência em Roma, do trem, salto da moto) do que a algo realmente pequeno. Isso não quer dizer que essa ação não seja tão ou mais eficiente. Vemos isso na tensão da sequência inicial do submarino, em como os personagens suam com a manipulação dramática de McQuarrie e nós suamos juntos. Ou na sequência em que Hunt fica encurralado em um beco tentando chegar a outro lugar e a montagem alterna entre o objetivo e a tentativa de se desvencilhar dessas amarras. O que as sequências têm de diferente é justamente a informação que temos em cada uma. Na de Hunt, sabemos tudo que está acontecendo, quem é ele e pelo que ele está lutando. Na do submarino, nem sequer sabemos quem são aqueles personagens, mas tememos pela vida deles quase da mesma forma. É essa empatia que McQuarrie encontra ao nos levar ao mais primitivo, a torcida pela sobrevivência de outro ser humano em situação de desespero, conhecendo ou não o personagem em questão.
Porém, tal manipulação por meio da ação não estará presente apenas em momentos específicos, mas em todo o longa. E é aqui que “Missão Impossível 7” se diferencia dos demais. Antes a conclusão da missão soava impossível, agora Hunt e companhia não conseguem respirar sem que um novo impossível apareça na esquina seguinte. É esse estímulo constante pelo novo impossível a ser superado no último segundo que faz o filme fluir, com uma decupagem/montagem que está sempre buscando o movimento. Até os primeiros planos não são filmados com uma câmera estática, há uma movimentação sutil enquanto o plano-holandês (“plano torto”) se destaca. Não é um mero fetichismo pelo incômodo fácil, mas um enquadramento que nos convida a seguir esse caminho desconfortável do protagonista e seus amigos.
A escolha por diversos personagens/grupos de personagens ajuda nesse processo de movimentação constante, já que eles estão sempre buscando objetivos semelhantes ou se esbarrando em suas buscas. Assim, Hunt e seu grupo, quando não estão fugindo de alguém para sobreviver, estão perseguindo um objetivo impossível. E, nesse sentido, Grace (Hayley Atwell) é a cereja do bolo. Ao não fazer parte desse mundo e ser extremamente ensaboada, o seu objetivo parece imprevisível para os demais, inclusive para Hunt, que em seu bom mocismo é constantemente ludibriado. Essa imprevisibilidade vem para contrastar com o vilão que “prevê” o futuro, tornando o padrão de Hunt refém a esses ataques opostos que surgem de todos lados. É essa vulnerabilidade do herói que faz de “Missão Impossível 7” tão único. Não há uma dependência da parte 2 (o filme funciona como peça única), mas é tão bom saber que a sequência já está confirmada. Que venham mais várias horas e diversos filmes dessa franquia que tanto acredita na ação!