|Crítica| 'Medusa Deluxe' (2023) - Dir. Thomas Hardiman
Crítica por Victor Russo.
"Medusa Deluxe' / MUBI & O2 Play
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O plano-sequência, bastante efetivo para construir o mistério pelo desconhecimento do que aparecerá a cada porta aberta, vai perdendo força quando se torna uma mera estética fetichista
Desde os primeiros minutos, “Medusa Deluxe” é sentido como um filme dirigido por um iniciante (trata-se do primeiro longa-metragem de Thomas Hardiman, que havia feito alguns curtas anteriormente). Entretanto, a câmera livre que se move pelo espaço sem cortar, filmando elementos teoricamente desnecessários antes de encontrar o personagem seguinte, ajuda a criar esse interessante jogo de mistério desde o início. Nada nos é dado, vamos descobrindo em meio a diálogos perdidos que houve um homicídio no local e o assassinado teve o seu escalpo retirado. Porém, ainda que a tensão plane no ar, com personagens agindo de forma suspeita, há uma certa naturalidade na forma como Cleve (Claire Perkins) segue realizando o penteado, enquanto comenta sobre a morte brutal de forma bastante banal. É justamente esse contraste entre o exagero na forma de agir dessas cabeleireiras e suas musas/modelos e a brutalidade escondida que gera uma sufocante aura satírica nesses primeiros minutos. O riso nervoso toma conta, sobretudo quando pouco sabemos.
Assim, Hardiman se usa bem desse experimentalismo, que fica entre a ousadia e o fetiche da estética, para se movimentar por aquele prédio escuro que mais parece um labirinto. A tensão surge justamente por conhecermos tão pouco de cada um dos personagens, enquanto a câmera se move de um para o outro, apresentando alguém novo a cada poucos minutos. Cria-se então um jogo de mistério não só pela descoberta do assassino, o que no final é até menos importante (funciona quase como um mcguffin), mas principalmente pelo desconhecimento do que vem a seguir. A cada porta aberta com essa decupagem que não corta (os cortes são escondidos, óbvio, o que não tira a sensação de continuidade e sufocamento do espaço), não só redefine o que vemos (a montagem sem cortar), mas cria uma expectativa do que vem a seguir. É justamente essa lógica que gera um dos melhores jump scares dos últimos anos, quando uma porta se abre e aparece justamente aquele personagem que pouco sabemos sobre e é o principal suspeito das demais. É também essa proposta que nos leva para personagens que parecem não ter nada a ver com a cena anterior, gerando mais anseio por descoberta, funcionando de forma semelhante à toda mise en scéne do longa.
Dessa forma, essa obsessão pelo plano-sequência pouco tem a ver com uma busca pelo realismo (muitos acreditam que essa é a única possibilidade dessa técnica, o que é uma bobagem, é claro), mas mais com a criação de um mistério pela redefinição do espaço, e, consequentemente, descobrimento (ou redescobrimento) dos personagens. O fato da estética ser colocada em primeiro plano em nenhum momento fragiliza a ânsia por desvendar o que vem a seguir. Pelo contrário, o fato de nos sentirmos presos a essa lógica (que pode soar meio amadora e fetichista, e até é em grande sentido) faz com que aumente a nossa claustrofobia e o nosso desconforto. Não é só o querer saber mais em conteúdo que move nossa angústia, mas essa noção de estarmos amarrados a uma câmera que nunca saberemos qual será o seu próximo passo.
Só que, quando começamos a entender o todo, recebemos as informações e os personagens se tornam mais claros, o plano-sequência vai perdendo força. Por mais que não descubramos quem é o assassino até os momentos finais, há uma sensação de que o mistério vai se esvaindo. Isso porque, como disse anteriormente, a ânsia pela descoberta é muito mais estética, o saber o que vai surgir a cada redefinição espacial, do que realmente de conteúdo. Assim, pelo homicídio ser menos importante do que a encenação, quando o filme se volta totalmente para a investigação do assassino, o plano-sequência perde a sua razão de existir. Ele vira, finalmente, apenas um fetiche estético sem peso dramático. Tal mudança vai refletir também nos personagens, que funcionam bem como aparatos do espaço, mas, por terem pouco desenvolvimento, quando se transformam no objeto de interesse do filme, tornam-se menos interessantes. Acabam se transformando na piada (e não gerando piadas) quando a obra busca o seu tom mais objetivo. A necessidade de se fechar amarga não só a estética, mas a própria sátira caótica que em nenhum momento clamava por respostas concretas.