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|Crítica| 'Marte Um' (2022) - Dir. Gabriel Martins

|Crítica| 'Marte Um' (2022) - Dir. Gabriel Martins

Crítica por Victor Russo.

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'Marte Um' / Embaúba Filmes

 

Título Original: Marte Um (Brasil)
Ano: 2022
Diretor: Gabriel Martins
Elenco : Rejane Faria, Carlos Francisco, Camilla Damião, Cícero Lucas e Ana Hilário.
Duração: 114 min.
Nota: 3,5/5,0
 

Entre o sonho e o cotidiano, “Marte Um” é um lindo retrato do que é ser brasileiro

O novo longa dirigido por Gabriel Martins, e da produtora Filmes de Plástico, inicia-se com um céu estrelado, pouco antes da câmera descer e mostrar um garoto olhando para aquele céu, enquanto ao fundo um rádio noticia a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. De forma semelhante, o filme se fecha com uma cidade filmada de longe, vemos apenas as luzinhas das casas, antes da câmera subir e filmar mais uma vez um céu estrelado. 

Pode parecer bobagem, mas esses dois planos que abrem e fecham o filme a partir de um céu estrelado resumem bem sobre o que é “Marte Um”, um longa que mostra o cotidiano, o banal, o dia a dia de uma família e os personagens que passam pela vida desse casal e seus dois filhos. Ao mesmo tempo, a obra está sempre falando sobre o sonhar nesse Brasil, desde sonhos mais alcançáveis como morar sozinha com a namorada, até sonhos mais distantes, como ir para um missão em Marte ou ver o filho se tornar o novo craque do seu time do coração.

Assim, as estrelas surgem como a representação do sonho distante, sobretudo porque o garoto almeja ir para o espaço. Enquanto isso, a notícia de fundo anunciando o novo presidente ou as casinhas iluminadas ao longe são a prova do banal, do mundano. Isso porque são pessoas que vivem esse dia a dia, mas apresentam seus sonhos distantes. Há até um momento bastante tocante quando a irmã descobre que o irmão deseja ir para Marte e ri. Mas não é uma risada de deboche, como o irmão pensa, mas sim de descoberta e apoio, como se ali ela descobrisse quem realmente é o irmão e decidisse que iria o apoiar para sempre em seus sonhos mais distantes.

É justamente nessa combinação de eventos mundanos e o olhar lá para frente que nos aproxima desses personagens pela identificação. Isso porque o cotidiano é criado por Martins com esses eventos que o brasileiro conhece tão bem. Os pais mais conservadores e religiosos, a filha que tem de manter sua sexualidade escondida, o garoto que tem um sonho para si diferente do sonho do seu pai, os pais que trabalham sem questionar sua posição, o companheiro de trabalho mais jovem que pensa em uma revolução, o pai que ama futebol e quer ver seu filho jogando pelo seu time (mesmo que o sonho do filho seja outro). 

Além disso, mais do que apenas os sonhos e visões de mundo dos personagens, a narrativa vai se desenvolver por meio desses momentos cotidianos que todo mundo já viveu. Assistir futebol em família, acompanhar o filho jogando, comer numa lanchonete antes do trabalho, andar de bicicleta com os amigos, conhecer o seu ídolo e se maravilhar com isso, churrasco ou balada no final de semana para fugir da rotina, a pegadinha, o programa de auditório super exagerado e questionável, as notícias trágicas, e por aí vai.

E essa brasilidade que transpira no filme e cria essa identificação para com o público também é sentida em como Gabriel Martins usa a linguagem cinematográfica. O diretor, que também é um dos roteiristas, rejeita uma narrativa mais hollywoodiana pensada em começo, meio e fim, com uma relação causal direta. Ele nos transporta por esses eventos cotidianos e uma estética bem brasileira, prezando pelos momentos, dando foco para a ambientação, com uma decupagem de planos mais longos e muito primeira plano, até para criar essa identificação e aproximação para com os personagens, além de um tom quase lírico que dá a essa fábula urbana um toque especial.

Então, entre a tragédia e a comédia, o sobreviver, viver e sonhar, Gabriel Martins apresenta a vida urbana do brasileiro que sonha com um mundo diferente, mas é obrigado diariamente a viver (ou sobreviver) aquela realidade dura, que só é amenizada pelo futebol, música, churrasco ou ficar com a família no fim de semana. Sem dúvidas, um dos filmes mais lindos de 2022.

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